Jaime Siqueira, coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), expôs, com exclusividade ao Correio, como tem sido a atuação das equipes de vigilância contra os crimes cometidos na região do Vale do Javari, a mesma onde ocorreu o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips.
Há 20 anos, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) atua desenvolvendo projetos que buscam contrapor os modelos de exploração da região do Vale do Javari, na Amazônia. As equipes locais combatem atividades como a pesca e caça ilegal, exploração madeireira e narcotráfico. Segundo os agentes, após a eleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, os riscos de segurança pessoal, natural ao trabalho, ficaram quase insustentável.
O centro trabalha em parceria com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), a mesma para a qual o indigenista Bruno Araújo trabalhava voluntariamente e que tem tomado a frente para defender a celeridade nas buscas dos recentes desaparecidos. O coordenador executivo e antropólogo, Jaime Siqueira, concedeu entrevista ao Correio para explicar sobre a situação do trabalho na região.
“Situações como essa (os dois desaparecimentos) são frequentes e estamos tomando providências há algum tempo para garantir a segurança de nossas equipes em campo”, detalhou. Ele acredita que há duas razões para a falta de informações do governo federal sobre o caso do indigenista e do jornalista britânico: a falta de vontade política que culmina na falta de empenho das autoridades em desvendar o caso e a dificuldade logística do local. Infelizmente, pela experiência, Siqueira não acredita que a situação acabará bem.
Confira a entrevista na íntegra:
Como os trabalhos na região do Vale do Javari estão ocorrendo durante o atual governo?
Trabalhamos apoiando expedições de proteção territorial realizada em parceria com os indígenas, fortalecendo suas organizações com o manejo de quelônios e pirarucu. Discutimos a elaboração de um plano de gestão territorial e ambiental para o Javari, que estamos tentando implementar. No entanto, o desmonte das instâncias de fiscalização e o aparelhamento da Funai têm dificultado essas ações.
Como você se sente ao atuar em confrontos diretos com ações criminosas?
A sensação é de total insegurança, não apenas pela ausência do Estado, o que, de certa forma, sempre é uma tônica nessas regiões mais isoladas. Agora ainda existe um incentivo do atual governo para a invasão de áreas protegidas, gerando e aumentando uma sensação de impunidade.
Quais são as maiores dificuldades que as equipes estão passando no local?
O Estado está ausente na região no que se refere às ações de fiscalização do território e assistência básica à saúde. No entanto, tentam dificultar justamente as atividades que minimizem a ausência do poder público. Colocam uma série de restrições para os trabalhos que realizamos, bem como de outros parceiros da Univaja. Obviamente, os povos isolados precisam de proteção especial, mas o que observamos é que a Funai de hoje não está preocupada com a real situação desses povos.
O que aconteceu com o indigenista, Bruno Araújo, e com o jornalista, Dom Philips, tem ocorrido com frequência? Como vocês têm lidado com a situação?
Situações como essa são frequentes e estamos tomando providências há algum tempo para garantir a segurança de nossas equipes em campo. Normalmente são soluções paliativas, mas são as que conseguimos implementar, como a realização de viagens sempre acompanhadas por mais pessoas, aviso sempre que possível das datas, horários de saída e chegada das equipes em viagem, uso de celular satelital para informes frequentes sobre os percursos, informes frequentes junto ao MPF sobre situações de ilícitos e ameaças, articulação frequente e trabalho conjunto com a Univaja, entre outras.
Como está o clima em relação ao desaparecimento na região? Qual é o comentário, na região, do que pode ter ocorrido?
Não temos maiores informações, mas pelas conversas na região e experiência que temos, Bruno e Dom dificilmente podem escapar com vida. Aparentemente, pode ter sido uma emboscada feita por pessoas que praticam a pesca ilegal na terra indígena, conforme ameaças recebidas por eles mesmos, recentemente, de grupos desses pescadores. Aparentemente, prenderam um suspeito (na segunda-feira, 6 de junho) que pode ter cometido os crimes, mas obviamente isso ainda precisa de confirmação.
A que vocês atribuem a falta de celeridade na operação e à falta de notícias detalhadas sobre o caso?
Basicamente a dois fatores: primeiro pela falta de empenho das autoridades em desvendar o caso. O número de equipamentos, a logística e o pessoal disponível na região é ridículo. Segundo, a falta de vontade política em resolver a questão, afinal, segundo o presidente, o Bruno e o Dom não deveriam estar lá. Só estavam porque o Estado não está, simples assim. As logísticas na região, de fato, são complicadas e as distâncias enormes. Mesmo com muitas forças e autoridades mobilizadas já seria como procurar uma agulha no palheiro, quem dirá com esse aparato quase simbólico que mobilizaram.
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