Capão Redondo

'Perdi meu filho por mil reais': roubo e latrocínio crescem em SP

Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que o garoto, que tinha ido buscar a avó no ponto de ônibus, é abordado pelos criminosos e assassinado de maneira brutal há duas semanas.

BBC
Felipe Souza - @felipe_dess - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 07/06/2022 14:37
 (crédito: ARQUIVO PESSOAL)
(crédito: ARQUIVO PESSOAL)

R$ 1.124. Na tentativa de roubar um celular que custou menos que um salário mínimo, quatro homens mataram a tiros o adolescente Victor dos Santos de Jesus, de 15 anos, no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que o garoto, que tinha ido buscar a avó no ponto de ônibus, é abordado pelos criminosos e assassinado de maneira brutal há duas semanas.

"Não chegaram a levar o celular dele. Pelo que a gente entendeu das imagens de câmeras, ele não quis entregar o celular, entrou em luta corporal com um dos assaltantes e tentou correr. Quando ele correu, foi quando atiraram nele", afirmou a personal trainer Danielle Maria de Jesus, de 33 anos, mãe de Victor.

"O medo dele era de que alguma coisa pudesse acontecer com a minha mãe, mas aconteceu com ele."

"Minha mãe chegou em casa sozinha e perguntou onde estava o Victor, que não estava no ponto. O Vinicius falou que tinha saído para buscá-lo, mas chegou no ponto e não viu o irmão. Como era tarde, ele passou pelo corpo do irmão sem perceber. Só viu na volta, quando viu o corpo já sangrando pela boca. Só deu tempo de gritar por ajuda na rua", contou a mãe Danielle de Jesus em entrevista à BBC News Brasil.

O garoto, conta ela, era muito estudioso e apaixonado pelo Corinthians. "Ele gostava muito de jogar futebol e videogame. Não dava trabalho. Sempre foi muito educado, conversava com todo mundo, tinha habilidade para conversar com as pessoas e, assim como o irmão dele, era muito sociável. E perdi meu filho por mil reais", afirmou a mãe.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), houve 19.215 registros de roubo no Estado nos quatro primeiros meses de 2022, contra 16.722 no mesmo período do ano passado - um aumento de 14,9%.

Segundo a SSP, foram registradas 59 ocorrências de latrocínio em todo o Estado nos quatro primeiros meses de 2022, ante 57 no mesmo período em 2021. Um acréscimo de 3,5%.

O aumento de roubos, geralmente com uso de armas de fogo, aumenta a sensação de insegurança da população, que, ao ser assaltada, tem o destino da vida dela nas mãos do criminoso. A possibilidade de um crime patrimonial, considerado de menor potencial ofensivo, se tornar um homicídio, leva pânico à população.

Victor, de 15 anos, ao lado da mãe Danielle
Arquivo pessoal
Depois da morte do filho de 15 anos, Danielle pensa em se mudar por conta da segurança

A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, explicou que, entre os principais fatores para o aumento desse tipo de crime está o aumento da circulação de armas, a flexibilização das regras de isolamento para conter a pandemia da covid-19 e o aumento da desigualdade social causado pela crise econômica.

"A gente sabe que naquele momento em que as pessoas não estão circulando na rua, é natural que esses crimes patrimoniais não aconteçam com tanta força. Mas quando a gente olha justamente no trimestre, a gente vê essa diferença. De fato, a gente percebe que os roubos subiram, os latrocínios. Cada latrocínio é muito grave e muito bárbaro", afirmou.

Procurada, a SSP informou que "está atenta aos indicadores criminais e realiza ações para ampliar a sensação de segurança da população".

A pasta disse que uma dessas ações policiais, chamada Operação Sufoco, dobrou o número de policiais na capital paulista por meio de atividades extras e reforçou o policiamento em outras regiões do Estado, integrando policiais civis, militares e guardas municipais. "Desde o seu início, a operação já deteve mais de 2,6 mil pessoas e recuperou 402 veículos que haviam sido roubados ou furtados."

A SSP informou que o assassinato de Victor é investigado pelo 47º DP (Capão Redondo), com apoio da Divisão de Investigações sobre Crimes Contra o Patrimônio (DISCCPAT), do Deic, mas não informou se algum suspeito foi detido.

A personal trainer Danielle Maria de Jesus disse à reportagem que não havia iluminação pública no dia em que o filho dela foi morto, na rua Gagliano Neto.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou por meio de nota que a SP Regula, agência responsável pela gestão da rede municipal de Iluminação pública, disse que "não houve nenhuma ocorrência de falta de iluminação registrada nos últimos dias na rua Gagliano Neto. A última ocorrência de ponto escuro registrada no local foi às 18h45 do dia 22/04 tendo sido atendida e sanado o problema às 21h57, quando a equipe deixou o local com a iluminação restabelecida".

A administração municipal afirmou ainda que a manutenção dos postes é realizada diariamente em no prazo máximo de 24 horas. "No entanto, em decorrência de fatores externos como queda de árvores, furto de cabos ou fenômenos naturais, esse prazo poderá ser estendido", informou em nota.

Fim do isolamento

A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, explica que São Paulo registrou queda no número de roubos entre 2017 e 2020, ano em que iniciou a pandemia e com maior restrição da circulação de pessoas.

"Em 2021, volta a subir um pouco e agora, no primeiro semestre de 2022, a gente teve um aumento importante. A gente sabe que momentos de crise econômica, crise social, aumento de desigualdade e aumento da quantidade de pessoas que passaram deixaram de ter casa para morar nas ruas. Tudo isso tem impacto no crime patrimonial. É muito comum em situações de crime de crise econômica a gente ter aumento de crimes patrimoniais. E é justamente isso que a gente está vendo, não só em São Paulo, mas no Brasil", afirmou.

A cobradora de ônibus Márcia Lima pensou que seria mais uma vítima de latrocínio no fim de maio deste ano. Ao voltar do trabalho, ela e dois fiscais foram abordados por um homem armado no bairro do Sacomã, na zona sul da capital paulista. O criminoso abordou as vítimas e levou os celulares.

"Como diz o ditado, vão-se os anéis e ficam-se os dedos. Tudo indica que a arma era de brinquedo porque eu ainda afrontei o ladrão, mas ele não deu tiro para cima nem nada. Mas quem paga para ver, né? O seguro pagou outro celular e vida que segue", afirmou à BBC News Brasil.

Victor (à esq.) vítima de latrocínio na zona sul de São Paulo, ao lado do irmão gêmeo Vinicius
Arquivo pessoal
O Estado de São Paulo registrou dois latrocínios a mais nos três primeiros meses de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021

Questionada, Danielle disse que ficou ainda mais preocupada com a família dela depois da morte do filho. Ela afirmou que deseja se mudar e também quer que os pais saiam do bairro do Campo Limpo, por conta do grande número de crimes registrados na região.

"Sempre foi a minha meta tirar eles de lá. Mas eu não conseguiria tirar só os meninos por conta da minha mãe, que não pode ficar sozinha. Não dá mais. Aquele ponto sempre foi muito visado, muito exposto. Os horários lá são muito marcados, então é sempre o mesmo horário que as pessoas chegam do trabalho, além de ter uma rota de fuga muito fácil", contou.

Para Carolina Ricardo, do Sou da Paz, é necessário haver uma ação integrada entre as polícias para inibir esse tipo de crime e criar uma delegacia especializada em apreender e retirar armas ilegais de circulação.

"É muito importante que, ao invés de uma resposta que seja mais violenta, repressiva, pontual, seja uma resposta planejada, organizada da Polícia Civil e Polícia Militar. O latrocínio é um fato e a gente sabe que há um aumento de armas em circulação no país. A gente não conta com uma delegacia especializada em controle de armas, que poderia trabalhar com mais inteligência", afirmou.


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