SÃO PAULO

Jornalista denuncia racismo sofrido em salão de beleza: 'Fiquei acuada'

Um cabeleireiro do Studio Lorena diz que confundiu a jornalista com uma ex-funcionária e riu sobre a "possibilidade" da ex-manicure, que também era negra, estar fazendo as unhas

A jornalista Luanda Vieira usou as redes sociais para expor um episódio de racismo sofrido por ela em um salão de beleza nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, onde ela também mora. De acordo com o relato da mulher, em 6 de maio, ela foi até o Studio Lorena para fazer as unhas e um cabeleireiro do local a confundiu com outra mulher negra que trabalha no salão e, rindo, disse que a pessoa não poderia estar ali fazendo as unhas.

“Quando eu estava fazendo a unha, chegou esse cabeleireiro que eu soube depois quem era, que chama Augustho Lima, e falou pra manicure: ‘Nossa, eu olhei ali de longe e levei um susto, achei que a Miriã estava aqui sentada fazendo a unha. Você imagina a Miriã sentada aqui fazendo a unha??’”, lembrou a mulher.

“Ele falou tudo isso rindo. Ou seja, uma mulher negra ali sentada fazendo a unha não pode ser possível. Era esse recado que ele tava dando enquanto ele ria e falava o quão absurdo seria se a Miriã tivesse lá”, pontuou Luanda.

A jornalista conta que perguntou para a manicure quem era Miriã e descobriu que ela também era negra e trabalhava fazendo as unhas no salão. “Obviamente a gente não se parece, a única coisa que a gente tem em comum é a cor da pele. O que me leva muito mais a ter certeza que ele estava completamente indignado com a minha presença no salão”, opina.

Luanda diz que o homem ignorou a presença dela e assim que terminou de sorrir e falar que seria absurdo a mulher negra estar fazendo as unhas, ele deixou o local sem falar nada.

“Na hora eu não tive nenhuma reação, fiquei acuada, fiquei super sem graça, não tava me sentindo confortável no ambiente. Antes de ir embora contei a história para o recepcionista, que me pediu mil desculpas em nome do salão”, disse.

Ela também enviou uma mensagem para os canais de atendimento do salão e recebeu uma ligação da própria fundadora do espaço de estética, que pediu desculpas e convidou a jornalista para uma segunda experiência. No entanto, uma fala da empresária agravou o episódio.

"Em um dado momento da conversa, a Fernanda, fundadora do salão, falou assim: ‘Nossa, talvez você não saiba o quão educada você foi ao mandar essa mensagem e a forma que você escreveu essa mensagem’. Mas Fernanda, por que eu não seria educada? Vocês entendem as minúcias que tem atrás de cada fala de uma pessoa racista que diz que não é racista?”, expõe Luanda.

“Porque eles esperam que a gente quebre tudo, que a gente faça barraco e escândalo. E eu simplesmente mandei uma mensagem como eu mandaria para qualquer outra pessoa relatando o que aconteceu e foi motivo de surpresa pra ela porque eu fui educada”, frisa.

A jornalista disse que expôs o caso porque aprendeu que não pode deixar que o racismo passe sem ser alardeado. “Eu li a frase ‘não deixe confortável quem te desrespeita’ recentemente e diria que ela me curou de anos e ano que passei com medo de expor minha opinião, entrar em alguns debates ou denunciar um crime como o racismo”, disse. “Falar sobre racismo não é confortável, leve, fácil ou legal. Mas infelizmente é preciso”, frisa.

Luanda também diz que foi questionada por uma seguidora negra sobre querer estar em espaços de pessoas brancas em vez de criar os próprios espaços para negros. "Eu concordo em ter espaços em que a gente se veja mais e se reconheça. Mas é muito injusto, inadmissível e absurdo eu não poder atravessar a rua da minha casa e fazer a unha, sabe? Eu consigo ver uma semelhança muito grande entre o pensamento dessa seguidora e o pensamento do Augustho Lima, os dois acham que o estúdio lorena não é o ambiente pra mim", concluiu.

A resposta do salão de beleza

Em nota, a criadora do Studio Lorena, Fernanda Queiroz, afirmou que o episódio “mostra o quanto precisamos trazer o debate racial com mais afinco, já que nossa proposta enquanto espaço não é a de fazer comparativos entre pessoas, mas sim ser um ambiente onde todos se sintam acolhidos e bem”.

A nota também afirma que a atitude do cabeleireiro, Augustho, foi “errada sim ao confundir e comparar a Luanda com a Miriã, já que essa conexão se deu por ambas serem negras, altas e usarem o mesmo estilo de penteado e tranças”. Apesar disso, Fernanda afirma que “para nós que estamos aqui no salão todos os dias, não é nenhuma surpresa termos ‘uma mulher negra ali sentada fazendo as unhas’ (citação do vídeo postado pela Luanda)”.

A empresária também se defendeu da acusação da fala racista na ligação com Luanda. “Vale dizer que quando ressaltei na ligação a educação que a Luanda teve ao dividir comigo tudo o que havia acontecido, foi por compreender o lugar de dor que ela estava naquele momento e, ainda assim, ter toda a sabedoria do mundo para trazer essa conversa com as meninas na recepção, no whats e depois na ligação comigo de um modo construtivo”, escreveu em um trecho da nota.

“E isso é raro, independente da cor da pele. Continuo elogiando a forma que ela veio até nós, bem como a atitude de trazer a conversa para a internet. Mesmo infelizmente tendo a nossa marca envolvida, a gente também acredita que é preciso sim conversar mais e mais”, acrescentou a empresária.

“Sempre tivemos a porta aberta para receber a todos. E se por essa porta entram poucos negros, sim, isso é um problema. E é muito sério. Mas aí é uma outra conversa”, encerra a nota.

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