Nos últimos 10 anos, a participação do Ministério da Defesa no Orçamento da União praticamente dobrou, saindo de R$ 72,4 bilhões, em 2012, para R$ 116 bilhões em 2022. No mundo, o Brasil ocupa o 10º lugar no ranking do Global Fire Power, que analisa 142 países, os efetivos militares ativos disponíveis por país sob o indicador PowerIndex.
Apesar dos recursos aplicados, a maior parte do dinheiro passa longe do desenvolvimento da defesa no país. O Brasil é a maior potência regional em armamento, mas o investimento na área é baixo. Cerca de 80% dos gastos militares são destinados para a área administrativa, que inclui pagamentos de pessoal junto com aposentadorias e pensões.
"A trajetória de gastos militares que ocorre com o Brasil não é algo estranho no âmbito mundial. O país tem acompanhado o mundo e tem sido até mais lento. O mercado global militar é agressivo e joga pesado para isso. É um fenômeno global, perpassa em diferentes governos, e o Brasil está sendo puxado pela agenda global", explica Sandro Teixeira Moita, professor do Instituto Meira Mattos na Escola de Comando Maior do Exército.
Segundo o mais recente levantamento do Instituto Estocolmo para a Paz Mundial (Sipri), lançado este ano, os gastos militares mundiais chegaram a US$ 2,113 bilhões em 2021, valor 0,7% maior do que em 2020 e 12% maior do que em 2012. O montante corresponde a aproximadamente 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Pelo sétimo ano consecutivo, gastos militares tiveram aumento no mundo. Apesar de não ser um dos líderes em investimentos nessa área, o Brasil ocupa o topo na América Latina, ao destinar quase 3% do valor total do Orçamento para a área.
De acordo com o professor, o país não é uma potência armamentista regional, mas detém uma capacidade militar superior à dos países vizinhos. "O Brasil tem capacidade relevante dissuasória para qualquer questão envolvendo a América do Sul. Mas, esse poderio não é voltado para atacar nossos vizinhos, porque a gente tem uma agenda clara de não provocar a guerra", afirma.
Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e especialista em Defesa, chama a atenção para o poderio bélico limitado do Brasil. Ele cita, como hipótese, um conflito imaginário com os Estados Unidos, a maior potência militar do mundo. "Somos extremamente vulneráveis. Eles (os norte-americanos) isolariam completamente o território brasileiro de forma bastante simples, e seria bastante fácil para eles fazerem isso sem precisar dar um tiro. Então, essa hipótese de invasão não existe. Nações mais desenvolvidas militarmente não correriam esse risco e não pagariam esse custo, porque isso não é necessário para eles. A nossa vulnerabilidade é muito maior se pensarmos em relação às grandes potências."
Para este ano, está prevista a destinação de R$ 956 milhões para projetos do Ministério da Defesa. O plano inclui a compra do cargueiro militar KC-390, o Projeto Forças Blindadas, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), e o desenvolvimento de sistemas de tecnologia nuclear da Marinha. Recentemente, as Forças Armadas receberam caças Gripen e o cargueiro KC-390.
Para Moita, a indústria de defesa brasileira está fragilizada, porque precisa de uma política de compras regulares. Segundo o especialista, nos países mais desenvolvidos nesta área, projetos voltados ao estado de armamentos são de longo prazo. Os militares visualizam a compra, o desenvolvimento e o ciclo de vida daquele material militar. "No Brasil, não tem isso. Às vezes tem que dilatar o período de investimento por conta da falta de orçamento", relata.
"O Guarani (veículo blindado) tinha sido previsto para 2028 e agora está para 2040. Isso abala muito a indústria de defesa no exterior. Isso gera um problema enorme, a gente não oferece tantas políticas de compra", exemplifica.
O Correio procurou o Ministério da Defesa para comentar os dados relativos ao Orçamento, mas não obteve resposta.
Verba restrita para investir
Em 2021, o Orçamento do Ministério da Defesa foi de R$ 116,8 bilhões. Desse montante, R$ 70,6 bilhões foram destinados para o item "Defesa Nacional", o que inclui gastos administrativos. No ano passado, a despesa com a previdência dos militares chegou a R$ 24,9 bilhões.
Especialistas criticam as limitações orçamentárias. "Com 80% do orçamento comprometido, cerca de um terço disso vai para pensão, um outro terço vai para aposentadoria. Assim, sobra pouquíssimo dinheiro para investir em equipamentos e manter operantes as indústrias de Defesa do Brasil", aponta o professor Juliano Cortinhas.
As dificuldades da indústria bélica nacional podem ser vistas a olho nu. Na semana passada, um "incidente" ocorreu durante um exercício militar no Forte Santa Bárbara. Um míssil se desviou da rota e atingiu uma plantação de soja, próximo a instalação militar que fica em Formosa (GO). O ocorrido foi denunciado pelo deputado José Nelto (PP-GO), que protocolou um requerimento pedindo explicações às autoridades.
Em comunicado, o Comando de Artilharia do Exército (Cmdo Art Ex) relatou que o incidente ocorreu em um Curso de Operação do Sistema de Mísseis e Foguetes para oficiais e sargentos. De acordo com o texto, a equipe responsável foi ao local e constatou não haver vítimas ou danos materiais. "O Exército Brasileiro e a Avibras já estão trabalhando nas investigações", informou a nota.
Com sede no Brasil, a Indústria Aeroespacial (Avibras) entrou, em março deste ano, com pedido de recuperação judicial, devido à constante falta de investimento. A consequência foi o início de demissões em massa.
Juliano Cortinhas destaca que o prejuízo à indústria é "o retrato mais do que a gente tem na nossa defesa brasileira hoje". "Uma indústria que investe em alta tecnologia é abandonada pelo Estado brasileiro, que não tem capacidade de compra, que não tem capacidade de manutenção das suas indústrias", lamentou.
O Correio procurou a Avibras, mas a empresa informou que não poderia responder os questionamentos.
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