COMPORTAMENTO

'Ninguém vai descobrir': Testamos app de traição para casados que é sucesso no Brasil

O Gleeden tem 400 mil usuários no país, sendo 6,7 mil em Brasília; fizemos o teste para desvendar esse universo secreto, que prioriza as aventuras femininas fora do casamento

“Se fizermos tudo certinho, ninguém vai descobrir.” A frase, de um funcionário público brasiliense de 29 anos, casado há três, faz parte da primeira conversa que tive no aplicativo Gleeden, criado para conectar pessoas comprometidas interessadas em encontros extraconjugais — ou, em bom português, trair os parceiros. Passei uma tarde no aplicativo para desvendar o funcionamento da plataforma que já reúne 400 mil usuários no Brasil. 

Na capital, 6,7 mil pessoas fazem parte do aplicativo. Não é a primeira vez que taxas de infidelidade registradas no DF ganham destaque: em 2020, Brasília foi o local com maior número de inscrições em outro site de traição durante o início da quarentena

O alto interesse nesse tipo de relação pode explicar o recebimento da primeira mensagem no meu “inbox” em apenas dois minutos após a finalização do cadastro no app. Com Brasília como localização escolhida, em apenas uma hora de uso da plataforma, 60 visitas foram registradas no perfil anônimo que criei, mesmo sem ter todas as informações preenchidas — apenas a idade (27 anos) e o estado civil (casada) estavam disponíveis para os usuários. Não é obrigatório colocar uma foto de exibição no perfil, mas o app permite que você crie álbuns íntimos com fotos reais, que serão liberados apenas para os pretendentes que você quiser. 

Em três horas de uso do aplicativo, recebi mais de 100 visitas e diversas mensagens, desde abordagens românticas, com interesse em saber quem eu sou e o que gosto de fazer, até tentativas insistentes de marcar um encontro no mesmo dia ou questionamenos sobre preferências sexuais. 

 

Rápido para entrar, simples de “jogar”

“Encontros adúlteros? Agora é sua vez! Esse é um espaço privilegiado para entrar em contato, com toda a segurança, com os infiéis no mundo inteiro!”. A introdução do app deixa claro qual é o objetivo da plataforma. Mas, diferentemente de outros sites de relacionamentos, o Gleeden foi criado em 2009, na França, por mulheres e para mulheres. Por este motivo, as inscrições femininas são gratuitas e o acesso a conversas e mensagens privadas, ilimitado.

Já o uso de homens é permitido, mas cobrado: para enviar uma mensagem particular é preciso pagar cinco créditos. E não fica por aí, já que para ler uma mensagem recebida é preciso gastar mais três créditos. Para os chats, é preciso investir quatro créditos. Essas “moedas” usadas pelo site são vendidas em pacotes: 25 créditos custam R$ 30; 100 saem por R$ 79,99 e o pacote mais caro faz com que o usuário desembolse R$ 199,99 por 400 créditos, o último dá o direito a conversar com 100 mulheres diferentes. Os pagamentos são anônimos.

A cobrança não assustou o público masculino: no Brasil, 60% dos usuários são homens e 40%, mulheres. Desde março no país de 2021, o aplicativo Gleeden registra a maioria dos usuários em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília.

Para o cadastro, a interessada deve informar um nome de usuário (não precisa ser o nome real), e-mail, senha, data de nascimento, cidade e país. Além disso, o aplicativo pede para que se escolha o gênero e se procura encontros com homens ou mulheres — é possível escolher os dois, o que foi o caso deste experimento. 

Após validar o e-mail usado no cadastro, o aplicativo parabeniza o ingresso no “jogo” e um tutorial com informações sobre o app é apresentado. De acordo com o guia, todos os membros passam por uma rotina de verificação, como verificação de dados e confirmação por e-mail. O aplicativo afirma que, 24h por dia, uma equipe trabalha para analisar se há contas falsas e, se encontrar evidências, a conta é excluída. Outra alternativa de segurança para mulheres é que os homens precisam usar dados de cartão para comprar os créditos para falar com as usuárias, o que já coloca em cheque uma tentativa de usar identidades falsas. 

É possível, ainda, escolher quem pode ver as fotos postadas e habilitar o acesso ao app apenas por senha. 

Na página inicial, há várias faixas que categorizam os usuários: “novos membros”, “membros do dia”, “usuários on-line” e “minhas visitas”. Nesta última, é possível ver os perfis de interessados em você. Com a busca por localização, apenas usuários que moram em Brasília são mostrados. 

O primeiro perfil que me enviou uma “paquera” — recurso para mostrar interesse sem iniciar uma conversa em si — se descreve no perfil como um homem do signo de aquário, advogado, de olhos castanhos,  com “cabeça aberta”, “cheio de imaginação”, “confiante”, “aberto a tudo” e ele ainda acrescenta que ganha “mais de R$ 100.000”.

Reprodução/Gleeden - Usuários podem destacar algumas características no perfil e escrever uma descrição que chame atenção
Reprodução/Gleeden - Usuários podem destacar algumas características no perfil e escrever uma descrição que chame atenção

Abordagens diretas 

Em menos de dois minutos na página inicial, uma mensagem chegou até o inbox (caixa de mensagens privativa). Um homem de 29 anos, casado e heterossexual, funcionário público, começou uma conversa. Em tom respeitoso, perguntou se poderia “ter a honra” de me conhecer.

No momento da conversa, meu perfil ainda não estava preenchido e não havia fotos —  escolha feita para manter o anonimato. Em resposta ao usuário, afirmei ser nova no aplicativo e que estava com medo de ser descoberta. “Se fizermos tudo certinho, ninguém vai descobrir”, pontuou o usuário, que afirmou viver em um relacionamento de cinco anos.

Outro homem, este de 34 anos e separado, foi mais descritivo na abordagem. “Sou novo no aplicativo e estou buscando iniciar boas conversas. Não sou um cara rico, mas não sou pobre; não sou galã, mas não sou feio (eu acho, rss). E você, onde mora? trabalha?”.

Um empreendedor de 42 anos fez algumas perguntas e foi sincero ao dizer que não tem grandes experiências, mas que quer inovar, com respeito e calma. “Sou casado há nove anos e estou à procura de algo diferente, sair um pouco do dia a dia”, contou o homem.

Alguns usuários que entraram em contato foram diretos. “Sou casado há 13 anos. Procura aventuras? Podemos nos falar por WhatsApp ou Skype?”, questionou um brasiliense de 39 anos, que afirma gostar de “ler textos eróticos” e de fazer “sexo em lugares inusitados”. Ele afirma ter acabado de instalar o app e se diz à procura de “casadas que queiram algo casual”.

Um advogado de 45 anos insistiu em um encontro ainda na mesma noite em que iniciou a conversa. Na primeira mensagem que ele enviou, deixou claro onde mora e trabalha e que seria fácil marcar um encontro.

Um homem divorciado de 34 anos também se apresentou. Após o fim do casamento, ele diz que agora não procura nada sério. Questionado do porquê estar em uma plataforma em busca de uma parceira comprometida, ele respondeu que “o proibido o atrai”.

Reprodução/Gleeden - Homens precisam usar créditos para começar uma conversa
Reprodução/Gleeden - Homens precisam usar créditos para começar uma conversa
Reprodução/Gleeden - Homens precisam usar créditos para começar uma conversa
Reprodução/Gleeden - Homens precisam usar créditos para começar uma conversa

Presentes virtuais 

O aplicativo também permite o envio de “presentes virtuais”, desenhos ou mensagens que podem ser enviadas ao perfil de interesse. De acordo com a plataforma, o presente oferece “30% a mais de chances de fazer um belo encontro”.

Um usuário de 38 anos acreditou no potencial do recurso e me enviou um presente sem ao menos iniciar uma conversa. O escolhido foi um desenho de um “chá” acompanhado de uma mensagem personalizada (recurso pago): “um chá em vez de um café para se descobrir com outros sabores”. O usuário busca “discrição” e algo “puramente sexual”.

Bissexualidade não é tão representativa no app

Apesar de também colocar “mulheres” como interesse, para descobrir o que procuram no aplicativo, nenhum perfil feminino foi sugerido pelo aplicativo na página inicial. Apenas duas visitas de mulheres foram registradas. Casada de 43 anos, a brasiliense se diz bissexual e procura assuntos legais. No entanto, não puxou conversa comigo e nem respondeu às minhas mensagens.

As usuárias sugeridas pelo app que moram em Brasília apresentam diferentes características, com idades de até 60 anos. Uma publicitária de 36 anos, por exemplo, se diz casada e busca “apenas uma aventura", mas está “aberta a tudo”. Ela afirma que gosta de “ser vista ou filmada” e que está “pronta para experimentar”.

Mulheres que traem se sentem mais felizes, diz pesquisa feita pelo app 

Um levantamento feito com as usuárias do aplicativo mostrou que 34% delas traem por se sentirem mais “felizes e vivas”. Cerca de 50% delas se sentem atraídas pelos amantes educados e que as tratem com carinho e prioridade.

De acordo com a psicóloga e sexóloga Luísa Miranda, a explicação para o resultado da pesquisa não está ligado à traição em si, mas a uma elevação da autoestima e valorização pessoal. “Eu acho que nesse caso as mulheres se sentem mais felizes por se sentirem vistas por outras pessoas”, explica.

“É muito comum as mulheres casadas chegarem ao consultório se sentindo sufocadas e sobrecarregadas. Isso vira uma bola de neve de insatisfação e esses lugares parecem, pra elas, como uma forma de se sentirem valorizadas”, conta.

Ela também afirma que a monogamia pode trazer pesos e conceitos que não contribuem para a realização própria da mulher. “Se fosse uma relação monogâmica, mas que as pessoas envolvidas pudessem flertar, talvez elas não precisassem trair ou entrar no aplicativo”, diz.

“Além disso, em uma relação monogâmica colocamos a nossa projeção sexual e afetiva no outro. Pensamos que a pessoa que está com a gente é responsável pelas nossas demandas. É o que aprendemos sobre o amor, historicamente”, afirma.

Game over, para mim

Ao fim da minha experiência, o perfil criado, e deletado, registrou mais de 124 visitas, 29 “paqueras” e quatro marcações como “favorito” nas três horas de uso do aplicativo. No entanto, apenas 11 conversas foram iniciadas pelos usuários.

Apesar das exceções, as conversas foram, no geral, respeitosas, agradáveis e sinceras. Não era meu objetivo forçar assuntos mais picantes e percebi que dava para apenas “bater um papo” sem pressão. Até quando? Não sei e não paguei para ver. 

 

Saiba Mais