LUTO

'O que me revolta é que tivemos de fazer as buscas', diz irmão de vítima em PE

"Bombeiros disseram que prioridade era resgatar idosos", contou. "Passamos 2 dias procurando por ele. Depois, ainda esperamos 7h até que fossem buscar e levar ao IML. Revoltante"

Agência Estado
postado em 29/05/2022 20:00
 (crédito: PEDRO DE PAUL/ESTADÃO CONTEÚDO )
(crédito: PEDRO DE PAUL/ESTADÃO CONTEÚDO )

As intensas chuvas que caem no Recife e na região metropolitana da capital desde a quarta-feira, 25, deixam marcas de luto e destruição nas comunidades atingidas. Na última semana, enchentes e deslizamentos já provocaram 44 mortes e há ao menos 56 desaparecidos. O número de desabrigados chega a 3.957 e 533 pessoas estão desalojadas na região.

Uma das vítimas foi o jardineiro Alex Roberto da Luz, de 41 anos. Morador do bairro da Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana, ele morreu na quarta-feira, 25, enquanto tentava evitar que seus animais fossem arrastados pela enxurrada em uma rua alagada. Seu corpo foi encontrado nesta sexta-feira, 27, por seus irmãos, que usaram uma jangada para vasculhar a região.

"O que me revolta é que tivemos de fazer as buscas pelo meu irmão sozinhos. Os bombeiros disseram que a prioridade era resgatar pessoas idosas", contou Alexandro Rodrigo, irmão de Alex. "Passamos dois dias procurando por ele. Depois, ainda esperamos sete horas até que fossem buscar e levar para o Instituto Médico Legal (IML). É revoltante."

Além dos afetados diretamente pelas chuvas, houve casos de pessoas que passaram mal por conta da angústia causada pelo avanço das águas. A professora Lua Freire Soares, de 47 anos, contou que sua mãe, Dalva Freire Soares, de 86, começou a se sentir mal depois que a água começou a invadir a casa da família, no bairro da Imbiribeira, na zona sul do Recife. Apesar dos alagamentos frequentes em épocas de chuva, foi a primeira vez que a água avançou tanto no imóvel.

"Quando percebi que a água invadiu nossa casa, por volta das 6 horas da manhã, disse para a minha mãe ficar na cama. Pouco tempo depois, voltei ao quarto e ela já estava passando mal. Liguei para o Samu, tentei reanimá-la, mas não foi possível. Depois, liguei para os bombeiros, para a polícia, para tentar retirar o corpo, mas a rua estava alagada. Só conseguimos por volta das 15 horas", relatou a professora. "Minha mãe sempre teve medo de que algo assim pudesse acontecer, era hipertensa e não resistiu ao impacto da situação."

A família da doceira Mirtes Carla de Oliveira, de 34 anos, também ainda está sob o impacto dos deslizamentos que ocorreram na região do Córrego do Abacaxi, no bairro de Caixa D'Água, em Olinda. "Meu filho do meio não consegue dormir, chora bastante", relata Mirtes, que mora há oito anos na localidade. "Perdi todo o meu material de trabalho, minha casa está com 50 centímetros de lama. É uma tristeza."

Mirtes conta que estava acordada no início da madrugada da quarta-feira, preocupada com a intensidade das chuvas, quando ela e o marido escutaram um forte estrondo. Ele, a princípio, pensou que se tratava de um trovão. A doceira, no entanto, não teve dúvidas: a barreira próxima à sua casa havia desabado.

O casal acordou os três filhos, de 17, 8 e 6 anos, e deixou o imóvel, buscando abrigo na casa de parentes. Só no dia seguinte Mirtes teve dimensão do impacto do deslizamento. Dois de seus vizinhos, o casal Rosemary da Silva, de 44 anos, e Sérgio Pimentel, de 54, morreram naquela madrugada. Os corpos foram encontrados na quinta-feira.

Em casa, Mirtes viu que sua estação de trabalho, localizada nos fundos da casa, havia sido totalmente perdida, enquanto a residência foi tomada pela lama.Uma situação vivenciada também por alguns dos seus vizinhos.

Moradora da comunidade de palafitas localizada na Baía do Pina, na zona sul do Recife, a marisqueira Leydiane da Silva, de 27 anos, tem vivido dias de apreensão por conta da intempérie. Com as chuvas e a maré alta, ela sofre com a insegurança de sua moradia, cuja estrutura, além de naturalmente frágil, foi comprometida recentemente por conta do incêndio que atingiu a comunidade no início de maio.

"A maré alta, misturada com o lixo, tem trazido muitos problemas. Na minha casa, as paredes e as telhas estão encharcadas. Muita gente saiu daqui depois do incêndio, mas eu não tinha para onde ir", conta Leydiane. "A Prefeitura deu até segunda-feira (30) para a gente sair. Nós, que somos de palafita, vamos receber uma indenização de R$ 1.500 pela casa e um auxílio de R$ 200. O que mais me preocupa neste inverno é o trabalho. As chuvas misturam águas doce e salgada, não vamos ter como trabalhar catando os mariscos."

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