Deputados e senadores tomaram, na semana passada, medidas para investigar as denúncias de violência contra a comunidade Araçá, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, incluindo possível estupro e homicídio de uma menina de 12 anos. A Câmara dos Deputados aprovou na, última quinta-feira, a criação de uma comissão externa de acompanhamento, enquanto o Senado enviará nesta semana uma comitiva parlamentar para verificar a investigação em curso e as medidas tomadas para proteção dos ianomâmis.
A comissão externa da Câmara foi proposta pela deputada Erika Kokay (PT-DF) e pela única indígena na Câmara, Joenia Wapichana (Rede-RR), com apoio de outros parlamentares. "Ninguém pode ficar indiferente a isso", disse Wapichana em plenário, na última quinta. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criará a comissão nesta semana e indicará seus membros.
Segundo o requerimento, o objetivo da comissão é "acompanhar, fazer diligência e propor providências ante a situação de violências e violações a que estão sendo submetidas crianças, adolescente e mulheres da comunidade Aracaçá, região de Waikás, na Terra Indígena Yanomami, no estado de Roraima".
No Senado, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Humberto Costa (PT-PE), quer formar uma comitiva parlamentar, com deputados e senadores, para apurar as recentes denúncias de violência praticadas contra os yanomamis.
O parlamentar pediu ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na semana passada, que interceda por uma logística e segurança do grupo. Por ser uma região com conflitos e de difícil acesso, a comitiva precisará do apoio da Força Aérea e demais órgãos federais para realizar o reconhecimento do local. A ideia é de que as diligências partam na quarta e na quinta-feira.
"O senador (Humberto Costa) quer realizar as diligências de investigação sobre infanticídio, homicídio, estupro, desaparecimento de indígenas, entre outros crimes, tanto em Boa Vista quanto na área de conflito entre o garimpo ilegal e os indígenas", diz comunicado enviado à imprensa por Pacheco. Mesmo após os ianomâmis terem sido encontrados, na última sexta-feira, em uma área de floresta, o pedido de realização de uma comitiva dos congressistas segue em pauta.
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Denúncias
A movimentação parlamentar acontece após denúncias de possíveis violências praticadas por garimpeiros que exploram ilegalmente a região. Na sexta-feira, a Polícia Federal de Boa Vista, Roraima, esclareceu, em coletiva, que não há indícios dos crimes denunciados pela comunidade Araçá, mas montou uma base de operações que deve permanecer no local até o fim de maio. Segundo a corporação, também não há indícios sobre a denúncia de estupro e homicídio de uma menina de 12 anos, que teriam sido cometidos por garimpeiros.
Conforme nota da Polícia Federal, a tese inicial é que as denúncias da comunidade "se originaram de um vídeo institucional de uma ONG. Este foi assistido por um indígena que repassou as informações a outro. Este segundo indígena inferiu, a partir dos elementos que tinha, que membros de sua comunidade teriam sido vítimas da violência apresentada no vídeo".
A Hutukara Associação Yanomami divulgou uma nota da comunidade Araçá, no mesmo dia, afirmando que os casos que vieram a público e são investigados estão longe de serem os únicos, e pedem uma apuração mais profunda dos episódios de violência na região.
Segundo a associação, relatos de indígenas que moram no local apontam "reiterados depoimentos de violência sexual em série". O documento também cita alguns casos apurados, omitindo o nome das vítimas.
Um deles envolve a morte de um indígena durante uma briga em 2017, "fomentada pela distribuição de cachaça por garimpeiros aos indígenas". Outro caso citado envolve a exploração sexual, por garimpeiros, de uma garota de 16 anos, que sofreu sequelas e desenvolveu uma deficiência física permanente devido aos abusos.
Para a associação que representa os ianomâmis, "as denúncias sobre Araçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores".
A entidade pede maior ação do poder público e critica a União por não cumprir ordem do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em 2020 para retirada dos garimpeiros ilegais da região.
Finalmente, a Hutukara Associação Yanomami defende que as investigações devem contar com "participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia, com domínio da língua, e durar tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem".
Fiscalização
Para a professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Graziella Testa, os parlamentares não apenas investigarão as denúncias de violência, como também a atuação do Executivo no caso.
"A função do Legislativo, para além de legislar, é fiscalizar o Executivo", afirma a professora. "Nesse caso especificamente, além de apurar o que aconteceu, a comissão externa de acompanhamento vai investigar como se comportou o Executivo e se é razoável, esperado, que assim tivesse se comportado."
"Os parlamentares podem também direcionar emendas parlamentares ou recursos em geral para a defesa de causas ou de questões relacionadas aos povos indígenas. Mas a execução da política pública é função do Executivo. Quanto a isso, o Legislativo não pode fazer nada", diz Graziella.
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