Capaticismo

UFMG nega recurso de candidata autista no mês da conscientização

Jovem teve matrícula indeferida por decisão da universidade; caso ocorre no mês escolhido pela ONU para chamar a atenção para o TEA

Uma candidata a uma das vagas destinadas ao público PcD (pessoas com deficiência) da UFMG teve a matrícula indeferida depois de ter recorrido à decisão da Banca de Verificação e Validação PcD, que havia avaliado a deficiência. Segundo a jovem, que é diagnosticada autista e prefere ter sua identidade preservada, além de capacitista, a ação da universidade foi inconstitucional. A jovem recebeu o comunicado oficial da universidade na tarde desta segunda-feira (11/4).

O caso da jovem ocorre justamente em abril, considerado o mês de conscientização sobre o autismo. Escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007 para lembrar a data e chamar a atenção da sociedade para o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), a campanha é chamada de Abril Azul.

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Banca capacitista

A vítima conta que se matriculou em Ciências Biológicas na modalidade “1.1- Escola pública, renda familiar bruta mensal per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos e indígenas, pessoas com deficiência” e enviou à UFMG todos os documentos solicitados, inclusive dois laudos e relatórios médicos que detalham sua situação. Solicitada pela universidade, no dia 15 de março, passou pela avaliação da Banca de Verificação e Validação PcD.

“Foi um processo extremamente desgastante e humilhante. A banca questionou minha deficiência mesmo com a apresentação dos laudos da minha psiquiatra e da médica responsável pelo enquadramento da vaga PcD da empresa em que trabalho, além de me fazerem perguntas capacitistas que invalidaram toda a minha existência como pessoa autista. Agiram como se não houvesse demandas diferentes para pessoas autistas e não autistas”, comenta ela em entrevista ao EM.

Após alguns dias, a jovem recebeu um e-mail informando que sua matrícula seria indeferida porque a avaliação da banca não a considerou apta para a vaga, mas que poderia entrar com um recurso caso não tenha achado justa a decisão. Assim foi feito e, depois de passar por todo o procedimento estabelecido pela universidade, recebeu a reafirmação do indeferimento ontem, 11 de abril. A justificativa, segundo a vítima, foi de que seu desempenho escolar nos anos anteriores não apresentava irregularidade e, por isso, não se enquadraria na avaliação, mesmo com os laudos especificando suas limitações.

 

Twitter/Reprodução - A jovem expressou indignação nas redes sociais e recebeu apoio de milhares de internautas

“Eu comentei na minha entrevista com a banca que repeti o terceiro ano do ensino médio por não ter me adaptado ao ensino remoto. Apesar das notas excelentes, eu repeti. Então, a argumentação deles não faz sentido. A UFMG simplesmente decidiu que eu não possuo limitações por meio de uma entrevista em que eu estava desconfortável e entrando em crise”, explica ela. “E ainda existe uma ilegalidade no edital da universidade, que seleciona quais PcD podem ou não ingressar nas vagas. Isso vai contra a lei federal que enquadra todos os PcD como iguais”, completa.

Ponto de vista jurídico

Segundo Daniele Avelar, advogada especialista na defesa dos direitos das pessoas com deficiência, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento e é considerado uma deficiência. Portanto, pessoas autistas contemplam os mesmos direitos de todas as pessoas com deficiência e têm direito à educação.

“É direito constitucional, líquido e certo que ela seja declarada pessoa com deficiência, haja vista que, pela Lei Berenice Piana (Nº 12.764/2012), chancelada pela Lei Brasileira de Inclusão (Nº 13.146/2015), o autista é uma pessoa com deficiência”, explica Daniele.

“O edital da UFMG é extremamente capacitista e chega ao absurdo de retirar da concorrência das cotas das pessoas com deficiência todas as pessoas que têm algum tipo de deficiência mental, ou sensorial, por exemplo. Isso é leviano, equivocado e inconstitucional”, completa.

Michelly Siqueira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB/MG), acrescenta que a educação, como direito da pessoa com deficiência, deve ser assegurada em todos os níveis de aprendizado ao longo da vida. “É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a salva de toda forma de violência, negligência e discriminação”, explica ela.

“Essa pessoa com autismo teve seu direito cerceado porque a universidade não a reconheceu como uma pessoa com deficiência. O que podemos falar aqui é que essa universidade não conhece a Lei Berenice Piana, e muito menos a Lei Brasileira de Inclusão", diz Michelly. A advogada considera "0lamentável" o episódio mesmo já em vigor leis de 2015 e de 2012. "As faculdades e as escolas já tiveram tempo suficiente para conhecerem a Legislação e entenderem que as pessoas com autismo estão nos ambientes escolares e universitários e devem ter seus direitos respeitados”, completa.

Auxílio ao caso

A jovem contou, em entrevista ao EM, que não possui condições financeiras para contratar um advogado que possa auxiliá-la com o caso, mas que aguarda retorno da Defensoria Pública de Minas Gerais.

Daniele Avelar foi acionada pelo gabinete do Deputado Estadual Cristiano Silveira (PT) a orientar a vítima e sua família sobre a negativa de matrícula. A advogada recomendou que a jovem corra atrás dos direitos, caso ainda seja do interesse dela ingressar na universidade. Michelly ainda defendeu a proposição de um mandado de segurança exigindo a matrícula e que a Promotoria de Defesa de Direitos das Pessoas com Deficiência seja acionada.

“Essas ações são necessárias não apenas para essa jovem, mas para que a UFMG e outras universidades brasileiras façam um ajustamento de conduta e alterem essas questões em seus editais”, explica Daniele.

Críticas à UFMG

No dia 5 de abril, a UFMG publicou em seu perfil no Twitter uma reportagem produzida pela TV UFMG sobre a importância do diagnóstico do autismo, o que levou a amplas críticas após a viralização do caso da jovem autista, que ocorreu na mesma rede social.

 

Internautas ressaltam a hipocrisia e a inconsistência entre a publicação e o indeferimento da matrícula da jovem. “A cara de pau da UFMG em fingir que se importa com pessoas com deficiência! Tomem vergonha na cara!!! Capacitismo é mato nesta instituição”, comenta um deles.

Até o momento, nenhuma nota foi publicada sobre o ocorrido. Procurada pela reportagem, a assessoria da UFMG ainda não deu retorno.

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