Única brasileira a discursar na Cúpula Mundial do Clima (COP26), a líder indígena Txai Suruí compartilhou, ontem, uma dor pessoal na luta pela preservação da Amazônia. Participante do Acampamento Terra Livre, em Brasília, ela lembrou a morte do amigo de infância, Ari Uru Eu Wau Wau, supostamente por invasores das áreas indígenas.
"Meu melhor amigo, que morreu, batia de frente com a invasão de terras. Ele era um guardião da floresta. Já são dois anos sem resposta sobre a sua morte". Com esse relato, Suruí ressaltou a luta dos indígenas em defesa das terras na Amazônia.
Txai atuou como porta-voz de 16 povos do estado de Rondônia que estão na mobilização. A jovem relatou casos e consequências da exploração predatória na Amazônia, particularmente no garimpo. Registrou a morte de crianças da etnia Yanomami por desnutrição e a recusa das mulheres do povo Munduruku de gerar filhos por causa da contaminação com o mercúrio. Na visão de Suruí, está em curso um genocídio das etnias.
Mais de 8 mil indígenas participam do Acampamento Terra Livre. O movimento realizou uma plenária para discutir os impactos do legislativo para os povos indígenas. A organização do Acampamento divulgou uma Carta Aberta, trilíngue, contra o PL 191/2020 — que determina as regras para a mineração em terras indígenas.
Cada trecho foi lido por membros da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI) do Congresso Nacional. "A atual legislatura não pode passar para a História como incentivadora da destruição dos povos e das terras indígenas. Vamos ouvir o clamor da floresta. Todos nós, deputadas, deputados, senadoras e senadores, independentemente de posições políticas e ideológicas, devemos lutar para não carregar essa nódoa indelével", afirma o documento.
Presente no Acampamento, a ex-ministra Marina Silva comentou a importância da iniciativa. "Cada parlamentar tem que dizer claramente quais são os seus compromissos em relação à demarcação do território, a grandes projetos como as hidrelétricas de Belo Monte e Tapajós. Mas o que vai mudar algo é a mobilização da sociedade para parar essa corrupção normativa que ocorre em várias frentes", declarou.
O PL 191 está em tramitação na Câmara dos Deputados. Apesar do protesto de artistas e entidades ambientalistas, um requerimento de urgência foi aprovado por 279 votos a favor e 190 contra. Em seguida à votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), determinou a formação de um grupo de trabalho para o estudo técnico da pauta. Há uma expectativa de que a proposta seja votada na próxima semana.
O ato no acampamento indígena teve a intenção de abrir o diálogo com o Legislativo. Para Txai Suruí, esse é o momento de aproveitar essa comunicação direta. "O que estamos observando é que tudo que vai para a Câmara passa. É estratégica essa aproximação [do legislativo] com a Câmara, para ver se conseguimos segurar um pouco; e com o Senado, por ser o próximo passo. Geralmente, todos pensam em política com uma aversão. A gente entendeu a importância de estar nesses espaços, dialogando, até porque é de onde os ataques estão vindo", observou.
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Fertilizantes
Enquanto povos indígenas se mobilizavam em defesa do patrimônio amazônico, o ministro da Agricultura, Marcos Montes, afirmou à bancada ruralista que a exploração mineral de terras indígenas para fertilizantes é estratégica. "Eu disse aos parlamentares que precisamos tratar exploração mineral em terras indígenas com foco estratégico, e fertilizante é mineral estratégico", disse o titular da pasta, ontem, após a sua primeira participação na reunião-almoço semanal da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Montes comentou que "fica feliz" com o possível avanço do projeto de lei 191/2020, que pode ser votado na próxima semana. "Fico feliz com a posição do presidente. Se votar semana que vem, será uma matéria muito importante a ser analisada. Temos que ter cuidado em analisar essa matéria. É delicada", observou.
Segundo ele, falta esclarecer a proposta aos povos indígenas. "O que a frente tem feito é montar estratégia que possa defender a comunidade indígena que não seja usada de forma ideológica nefasta", afirmou.
Montes classificou a exploração de minerais para fertilizantes como "interessante". Segundo ele, a atividade devolverá "dignidade, receita e renda de forma gradativa à comunidade indígena".
"Fertilizante é mineral estratégico e sabemos da necessidade para alimentar o mundo. É questão de segurança alimentar", argumentou o ministro. Secretário-executivo do Ministério da Agricultura até a semana passada, Marcos Montes assumiu a pasta com a desincompatibilização da ministra Tereza Cristina.