Não existe qualidade para cigarro ilegal. O contrabando de cigarros precisa de uma solução em que a saúde e a economia possam andar de mãos dadas. É o que acredita a médica e ex-secretária executiva da Comissão Nacional de Controle do Tabaco, Tânia Cavalcanti. Na visão dela, a Política Nacional de Controle de Tabaco é uma gestão de saúde pública bem sucedida, mas que sofre ameaças do contrabando de cigarros.
Tânia relembrou que o Banco Mundial estuda a questão do mercado ilegal. “A questão tributária não é o problema e sim, desde a questão da corrupção, as penalidades e a aceitação social das práticas de contrabando”, disse, em participação no Correio Talks Live - Contrabando de cigarros há 32 anos no Brasil: há solução?
Além disso, o contrabando impacta negativamente na Política Nacional de Controle ao Tabaco (PNCT). A especialista explica que os baixos preços dos cigarros ilegais reduzem o efeito das medidas para prevenir a iniciação de jovens ao tabagismo e para estimular a cessação de fumar nas populações de menor renda e escolaridade”, lamentou. O mercado ilegal de cigarros reduz os preços médios dos cigarros em cerca de 4% e é responsável por aumentar o consumo de cigarros em 2%, o que se traduz em cerca de 164.000 mortes prematuras por ano, como afirmou o Banco Mundial, em 2019.
Ela conclui, então, que o justo é que a reforma tributária adote imposto seletivo sobre produtos de tabaco e aplique aos mesmos, os princípios constitucionais de vinculação de uma contribuição de intervenção sobre domínio econômico, de forma a direcionar recursos para a implementação plena da convenção quadro para controle do tabaco em nível federal, estadual e municipal.
Tabagismo
“O tabagismo é considerado pandemia desde 1986, quando foi declarado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde. A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco veio como um instrumento de enfrentamento dessa pandemia. 182 países, incluindo o Brasil, participam da iniciativa. Essa pandemia causada pelo cigarro matou 100 milhões de pessoas no século 20”, disse.
Ela destacou, ainda, que a ratificação da Convenção, em 2005, pode ser um fator que explica a redução de fumantes de 1989 a 2019. O número de fumantes de 1989 a 2008 foi reduzido em 44%. De 2008, a redução foi de 30%. Tânia acredita que uma outra razão para isso se dá pelo aumento de impostos e preços sobre cigarros, em 2011. Além da proibição de fumar em recintos coletivos e proibição total da propaganda, regras impostas no mesmo ano.
“Quase 50% da redução da prevalência de fumantes no Brasil é atribuída ao aumento de impostos e preços sobre cigarros. 14% atribuído ao efeito da proibição de fumar em ambientes fechados, 8% ao efeito de advertências sanitárias nas embalagens, 4% a campanhas e 10% aos programas de tratamento para cessação de fumar. Até 2010 foram evitadas 420.000 mortes. A projeção é que até 2050, as medidas terão evitado até 7 milhões de mortes”, assegurou.
Em relação a Política Nacional de Controle ao Tabaco, Tânia defende que esta é multisetorial e necessita de uma governança que converse com essa multisetorialidade. “O Ministério da Economia e da Justiça, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Advocacia Geral da União (AGU), são órgãos que compartilham responsabilidades na implementação desta política”, explicou.
Tabagismo e covid
Durante a pandemia da covid, o tabagismo pode, ainda, ser um agravante. Em números, a especialista mostrou que o custo global com o tabagismo, no mundo, é de US$1,4 trilhões ao ano, cerca de 12% do custo global para enfrentamento do vírus (US$ 11,7 trilhões). Em relação ao Brasil, o custo total do tabagismo corresponde a R$ 125 bilhões ao ano, 23% do gasto com a covid em 2020 (R$ 524 bilhões).
Ela destacou, ainda, que a conta do cigarro é ainda maior, porque isso não inclui os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamento da dependência da nicotina e ajudar fumantes a deixarem de fumar e com campanhas e ações educativas preventivas eficazes para alertar sobre os riscos do cigarro convencional, do eletrônic, do narguilé e outras atividades perigosas.
Por fim, Tânia considera que os danos sociais e econômicos do mercado de tabaco e a pressão de fabricantes de cigarros para manter o tabagismo entre jovens formam um ciclo vicioso que encurta mais ainda o orçamento que os gestores públicos têm para dar conta de novos e velhos problemas de saúde.
“É justo que a conta para prevenir e mitigar os danos do cigarro seja compartilhada com seus fabricantes, no lugar de sair do orçamento da saúde, já tão sacrificado, principalmente em tempos de pandemia. Não faz sentido baixar imposto de um produto que já causa prejuízo a toda nação”, disse.