O desmantelamento de órgãos de fiscalização e estímulo ao armamento no campo renderam aos três primeiros anos de gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) os maiores números de conflitos por terra. Entre 2019 e 2021, foram somados 5.725 confrontos no campo, registrados no levantamento Conflitos no Campo, Brasil 2021, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e são os maiores desde o início da série histórica, em 1985. Os dados foram divulgados ontem.
"No governo atual a gente não teve uma política pública ideal para o campo. Ainda tivemos o problema de que os organismos que existiam para auxiliar e administrar a vida de quem vive no campo foram enfraquecidos em sua organização por parte do governo federal", lamentou Dom José Ionilton, presidente da CPT.
Segundo o levantamento, nos últimos dez anos, as mudanças políticas ocorridas no Brasil foram decisivas para os moradores do campo. Os pesquisadores apontam uma disparada de casos de violência a partir de 2016. Até então, o número de ocorrências ficava em torno de 820 por ano. Nos anos seguintes, o número de registro ultrapassaram a casa dos 1.100 casos.
No primeiro ano de mandato de Bolsonaro, houve 1.260 registros de violência no campo. Em 2020, novo salto: 1.576 casos. Em 2021, os conflitos diminuíram para 1.242. Apesar dessa redução, o documento da Pastoral da Terra afirma haver "altíssima conflitividade" diversas regiões do país.
Rondônia foi o estado com o maior número de assassinatos. Segundo a CPT, houve 11 mortes em 2021 e ao menos dois óbitos em terras ianomâmis. O estado do Maranhão vem em seguida, com nove assassinatos; depois Roraima, Tocantins e Rio Grande do Sul, cada um com três assassinatos em ocasiões diferentes.
Indígenas, quilombolas, posseiros, sem-terra e assentados são os grupos que mais sofreram com ações no campo em 2021. O estudo mostra que os ataques aos povos originários corresponderam a 26% (317). Do total de assassinatos, 101 mortes foram registradas no estado de Roraima, todas em terras indígenas ianomâmis e causadas por ação de garimpeiros.
O levantamento também mostra que o número de sem-terras assassinados aumentou 350% de 2020 para 2021, passando de dois para nove no ano. Ao todo, 100 pessoas foram presas em 2021, um aumento de 45% em relação ao ano anterior. Dessas, 30, quase um terço do total, foram presas em um conflito em Rondônia, em 17 de novembro. A maioria das capturas é do estado de Rondônia.
"Projetos de Lei foram sendo encaminhados para o Congresso na tentativa de facilitar o acesso às terras, por parte do agronegócio e grandes latifundiários. A discussão das armas tem sido uma defesa desse governo e tem incentivado o porte de arma e a arma acaba sim, se tornando um instrumento que produz violência e no campo isso sem dúvidas tem causado muitos problemas", pontuou Dom José.
Grupos chamados de "pistolagem sob encomenda" e "agromilícias", além da omissão ou ação direta de agentes públicos foram responsáveis pelo assassinato de 35 pessoas. "Ocorreram 109 mortes em decorrência destes conflitos sangrentos, bem como 27 tentativas de assassinato e 132 ameaças de morte. Além destes dados, foram registradas 75 agressões físicas com ferimentos diversos", destaca o texto.
Dados objetivos
Dom Joel Portella, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), aponta que o levantamento deve ser visto por dois aspectos: o papel da igreja em catalogar os dados e a divulgação dos estudos.
"É indispensável ter dados objetivos e não temer dialogar sobre eles. Assim como a terra, a verdade é condição de democracia. Um país que teme a verdade, não pode ser chamado de democrata, um povo tem que se comprometer com a justiça social em relação a terra, igualmente compromisso com a verdade", disse. Dom Joel Portella ainda afirmou que é preciso ter "a mesma firmeza para não deixar que a mentira e a manipulação dos dados" venham contribuir para a morte.
Procurado, o Ministério da Justiça não deu retorno até o fechamento desta edição.
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