A frase da engenheira Mary Jackson, que no início dos anos 1960 ajudou a impulsionar os Estados Unidos na corrida espacial contra a Rússia durante a Guerra Fria, anda ecoando como um mantra para a mineira Laysa Peixoto Sena Lage, de 18 anos. “Não tenho escolha, exceto ser a primeira”, repete a estudante de física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que em agosto fez uma grande descoberta diretamente de sua casa, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte: um asteroide, em uma campanha lançada pela Agência Espacial Americana (Nasa). Ela o batizou LPS 003.
Laysa, que sonha se tornar a primeira astronauta brasileira e busca, por meio de uma vaquinha, arrecadar R$ 15 mil para fazer o curso da Nasa, Advanced Space Academy, nos Estados Unidos, conta que a paixão pela astronomia nasceu ainda nos tempos de criança. "Sempre fui muito curiosa, gostava muito de observar o céu, olhar para as estrelas, tudo isso me deixava muito encantada. Ganhei de um tio um DVD da série ‘Cosmos: Uma viagem pessoal’. Aquilo para mim foi fantástico, fiquei deslumbrada, mesmo sem entender tudo”, disse. A partir daquele momento, foi sendo alimentada uma grande vontade de saber mais sobre o universo.
Ela diz que não fazia ideia de que chegaria a esse ponto tão nova. “Tudo aconteceu bem melhor do que eu imaginava”, admite. Depois que assistiu a “Cosmos”, a estudante pensava em “tocar o infinito” como na série. “Agora, sinto que estou chegando mais próxima do infinito, embora não vá conhecer tudo o que existe, mas estou mais próxima do cosmos do que jamais imaginei que estaria. A Laysa de 8 anos ficaria muito feliz e surpresa com tudo isso”, declarou.
O projeto da Nasa do qual ela participou era uma espécie de “caça a asteroides”, numa parceria com a The International Astronomical Search Collaboration. As imagens em que ela identificou o que batizou de LPS 003 foram analisadas num computador caseiro, a partir de Contagem.
Laysa assegura que recebeu muito apoio ao escolher a área à qual se dedicaria, mas algumas pessoas ficaram em dúvida se era realmente o que ela mirava, principalmente pelo difícil mercado de trabalho no Brasil para a física. “A falta de investimento para pesquisa no país é realmente difícil, mas não é impossível. Mas não deixei esses comentários me desanimarem porque é o que eu gosto, é o que quero. Não posso fazer algo sem paixão ou escolher outra área para viver infeliz.”
EDUCAÇÃO
Com a chance de ter vivenciado uma Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA), ela planeja também tirar do papel seu projeto de ir às escolas e contar sobre jornadas científicas. “Quero mostrar que há um caminho além do que aquele que todo mundo conta para as meninas quando criança, quero ajudar outras pessoas a acreditarem nos sonhos delas”, relata.
A oportunidade de ir a uma escola de ensino fundamental para falar sobre ciência já ocorreu e a deixou maravilhada pelo interesse da meninada. “Sempre que eu falava alguma coisa, um monte de criança já levantava a mão”, contou.
Representar as mulheres, um orgulho à parte
Além de exaltar o aspecto da superação, Laysa Peixoto, que é monitora do Observatório Astronômico Frei Rosário, coordenado pela UFMG na Serra da Piedade, em Caeté, quer reforçar a representatividade feminina no mundo científico. “Quando você abre um livro de ciências, você vê poucas mulheres, e pensa: ‘Como assim?’. Sempre existiram mulheres na ciência”, aponta.
A trajetória de Mary Jackson, que nos anos 1960 integrou uma equipe de cientistas da Nasa formada por afro-americanas e retratada no filme “Estrelas além do tempo” (2016), é um bom exemplo disso, em sua visão. Não por acaso, sua parte preferida da produção está no momento em que a personagem traz à tona a frase: “Não tenho escolha, exceto ser a primeira”.
Mary, por ser uma física negra, não pôde concluir uma graduação em engenharia na universidade e recorreu à Justiça. “Parecia muito incompatível fazer um curso desse na minha realidade. Nasci em Minas Gerais, estudei em escola pública a vida toda. Então, parecia uma realidade intocável chegar num lugar assim. É muito importante ser a primeira para que outras pessoas sintam que elas podem também, independentemente da circunstância em que elas vivem”, argumenta.
A estudante relata que, durante a escola, teve uma fase em que ficou um pouco desanimada com o mundo da ciência, devido à falta de incentivo para competições. De acordo com ela, o conhecimento sobre as competições ainda era muito raso e não falavam muito sobre as de física, apenas das outras matérias com competições famosas, como português e matemática.
Ela revela que outra mulher que também a inspira é Annie Jump Cannon (1861-1941), cientista norte-americana surda que catalogou mais de 300 mil estrelas manualmente. Annie desenvolveu um sistema de classificação espectral das estrelas, mas os trabalhos foram registrados no nome dos chefes do laboratório em que ela pesquisava.
A estudante pretende, após fazer um mestrado internacional, retornar ao país para ajudar outras meninas a seguirem carreira na ciência. “Acredito que nós devemos ter nossas ambições pessoais, mas não há nada mais gratificante do que fazer algo para que alguém siga seu sonho. Me sinto muito melhor, quero poder ajudar como outras mulheres me ajudaram”, declara.
APOIO
Laysa conta ainda que conheceu um perfil no Instagram que ajudou a manter seu sonho vivo e a aproximou de outras mulheres da área, trazendo ainda mais força e representatividade para que ela não desistisse. O coletivo Desbravadoras do Universo (@dduniverso), criado por universitárias de São Paulo, divulga mulheres cientistas que foram apagadas da história.
“Através do coletivo, fui descobrindo milhares de mulheres que contribuíram e que deveriam ter tido reconhecimento, que deveriam ser lembradas hoje. Tudo isso ajudou para que eu pudesse ver o meu lugar na ciência. O projeto foi decisivo para manter meu sonho vivo”, declarou.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Eduardo Murta