A puberdade é uma fase que já pode ser muito difícil na vida das meninas. Se ela acontece antes da hora, a adolescente tem que lidar não apenas com as mudanças no corpo e no comportamento, mas com uma série de riscos para a saúde.
Mas em que idade a puberdade pode ser considerada precoce? Quais as causas desse problema e o que pode ser feito para combatê-lo?
A puberdade é o amadurecimento do corpo para se preparar para a procriação, explica a médica Marta Francis Benevides Rehme, presidente da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Infanto Puberal da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Ela acontece em etapas e é um processo diferente em meninas e meninos.
"Nas meninas, primeiro há o crescimento dos seios, depois o surgimento de pelos pelo corpo e em seguida a primeira menstruação, que marca o fim desse processo", explica Rehme.
A idade em que as meninas passam pela puberdade vem caindo ao longo dos anos: a média de idade para para primeira menstruação hoje é muito menor do que era no início do século passado, diz a médica. Os pesquisadores ainda não conseguem dizer com certeza o motivo, mas há uma série de hipóteses, entre elas mudanças na alimentação e nos estímulos ambientais.
Hoje, a média de aparecimento dos primeiros sinais da puberdade é por volta dos 10 anos e a primeira menstruação entre os 11 e 12 anos, explica Rehme.
Quando o aparecimento de pelos ou de mamas acontece em meninas com menos de 8 anos, considera-se que ela está passando por um processo de puberdade precoce, explica o endocrinologista Sonir Roberto Rauber Antonini, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e presidente do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Além do aparecimento de mamas e pelos, outros fatores que podem aparecer na puberdade precoce são um crescimento muito rápido em meninas muito pequenas, a pele ficar oleosa e com acne, e até mesmo a presença de odor axilar e mudanças de comportamento.
Nesses casos, explica Antonini, é extremamente importante que essa menina passe pela consulta de um pediatra e seja encaminhada para um endocrinologista pediátrico para fazer exames e dar um diagnóstico. Se ele for positivo, ou seja, se a menina realmente estiver passando pela puberdade precoce, normalmente esse processo precisa ser interrompido.
Mas por que essa intervenção é necessária e quais os problemas que a puberdade precoce pode trazer?
Os riscos da puberdade precoce
Durante a puberdade, o corpo passa a criar certos hormônios em maior quantidade.
Uma região do cérebro chamada hipotálamo produz mais do hormônio GNRH, que atua na hipófise, uma glândula localizada na parte inferior do cérebro, e aumenta a produção dos hormônios LH e FSH.
Esse hormônios, por sua vez, viajam na corrente sanguínea e afetam o ovário, causando seu amadurecimento e a produção do hormônio estradiol (um tipo de estrogênio), que por sua vez causa desenvolvimento das mamas, aumenta o ritmo de crescimento e gera mudanças na conformação do corpo - os quadris ficam mais largos, por exemplo. Esse hormônio também atua no cérebro, podendo afetar o humor e o comportamento. A primeira menstruação é a última fase desse processo, quando o corpo aumenta a produção do hormônio progesterona.
Quando uma menina passa pela puberdade precocemente, todos esses hormônios estão sendo produzidos antes do tempo, gerando uma série de consequências para sua vida e sua saúde.
"Essa criança vai crescer muito rapidamente, mas vai parar de crescer rápido, porque a menstruação, que é a última fase da puberdade, desacelera muito o crescimento", explica o endocrinologista pediátrico Sonir Antonini. "Então uma menina que deveria crescer até uns 11, 12 anos, vai menstruar mais cedo e parar de crescer até os 8 anos, ficando com uma estatura mais baixa."
Além disso, explica a ginecologista Mara Mendes, diretora do departamento de proteção ao pacientea do CMBA (Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura), as mudanças no corpo antes do tempo aumentam o risco de que a menina seja sexualizada precocemente. "Não podemos ignorar o risco de gestação caso ela tenha mesntruado precocemente e sofra um abuso sexual", afirma a médica. Nessa idade, a gravidez pode até mesmo colocar a vida da criança em risco.
A exposição a tantos hormônios antes do tempo também pode causar alterações emocionais importantes, explica Mendes. "Existem os efeitos dos hormônios no cérebro, mas também outros fatores mais subjetivos. Pode haver um encurtamento da infância, ela pode não se aceitar diante das colegas, que ainda vão demorar para passar pelo processo."
"A puberdade precoce pode levar à depressão e ao comportamento de risco na vida adulta - há diversos estudos que relacionam a puberdade precoce a esses problemas", explica Antonini.
Também existem alguns estudos que mostram uma correlação entre a exposição precoce aos hormônios da puberdade e um risco aumentado de certos tipos de câncer na vida adulta - embora isso seja algo que ainda precisa ser mais estudado, segundo Antonini.
Fatores de risco e causas da puberdade precoce
Há diversas causas possíveis para a puberdade precoce, explica Antonini - desde uma causa genética, ou seja, uma tendência ao problema herdada dos pais, até a presença de doenças como tumores, problemas nas glândulas supra-renais ou nos ovários.
O mais comum, no entanto, é que ela tenha o que os médicos chamam de causa central, que é quando o cérebro - por motivos variados que nem sempre ficam claros - está liberando os hormônios antes do tempo.
Há também um fator de risco, que pode aumentar as chances da puberdade ser adiantada: a obesidade infantil.
A endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente do grupo de Obesidade Infantil da SBEM, explica que meninas com obesidade tendem a ter a puberdade antecipada.
"O que costuma acontecer é uma menina que iria menstruar aos 11, 12 anos acabar menstruando aos 9 ou 10. A obesidade infantil costuma causar esse adiantamento, mas normalmente não chega a causar a puberdade precoce, ou seja, antes dos 8 anos", explica Melo.
Segundo Antonini, ainda não se sabe exatamente o porquê a obesidade causa esse adiantamento, mas provavelmente está relacionado à produção de leptina, um hormônio importante para o corpo produzir os hormônios da puberdade.
"A leptina é produzida pelo tecido adiposo", explica Antonini, "então o excesso de leptina provavelmente é um dos fatores que faz com que a obesidade gere esse adiantamento."
"A quantidade de gordura no corpo está muito relacionada com a puberdade. Então assim como uma menina com excesso pode antecipar, uma criança muito magra pode não entrar em puberdade", afirma o endocrinologista.
Melo explica que é importante que os pais consultem o pediatra se estiverem em dúvida sobre o peso adequado dos filhos. "A obesidade em crianças não é calculada da mesma forma que em adultos, existe um índice específico para elas indicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde)."
Como é o tratamento da puberdade precoce?
O tratamento que será indicado depende da causa do problema.
Em caso de puberdade adiantada, mas não tecnicamente precoce (antes dos 8 anos), em que a causa é obesidade, a puberdade não precisa ser interrompida - o indicado é o tratamento da obesidade, que pode levar a outros riscos para a saúde no futuro.
"Em 95% dos casos de obesidade infantil, a causa é alimentação inadequada e pouca atividade física, então são esses os fatores que precisam de alteração", explica Antonini.
"Hoje em dia existe muita pressão da indústria alimentícia, muita facilidade de obter alimentos ultraprocessados. E às vezes eles são até mais baratos que alimentos frescos", explica Melo.
"Muitas vezes se julga os pais - e eles próprios às vezes se culpam - quando há obesidade infantil, mas as pessoas esquecem que os pais também são vítimas dessa forte pressão da indústria alimentícia", afirma a médica.
O tratamento para a obesidade infantil, diz ela, envolve mudança de comportamento, reeducação alimentar e acompanhamento médico de indicadores de saúde.
Quando existe de fato uma puberdade precoce com causa central, ou seja, causada pelo adiantamento da liberação dos hormônios pelo sistema nervoso central, o processo precisa ser interrompido com o uso de bloqueadores hormonais, explica Antonini.
"Normalmente se faz o uso de injeções de análogos ao GNRH a cada 1, 3 ou 6 meses", afirma. "O processo precisa ser acompanhado por um endocrinologista pediátrico, que vai acompanhar o crescimento da criança, o peso e adequar as dosagens."
Os bloqueadores em geral são tomados pelas meninas até por volta dos 10 ou 11 anos.
"Dentro de alguns meses ou um ano depois de parar de tomar os bloqueadores, a menina entra em puberdade. Há cerca de 30 anos de estudos mostrando que são medicamentos muito seguros, que não têm efeitos colaterais graves", explica o médico. "Quando a menina parar de tomar, entrar na puberdade e menstruar, ela terá uma capacidade de fertilidade normal."
Já nos casos em que a puberdade precoce é sintoma de alguma doença - como um tumor ou problemas nas glândulas supra renais - o tratamento será focado em resolver esse problema original, explica o médico.
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