MINERAÇÃO

Risco de rompimento de barragem apavora comunidade em Minas

Represa de rejeitos em está em nível crítico de instabilidade, com grande risco de desastre

Itatiaiuçu – O maior medo da comerciante Marlene Santos, de 50 anos, pode se concretizar de forma rápida e mudar tragicamente a sua vida e a da comunidade de Itatiaiuçu, na Região Metropoliana de Belo Horizonte. Em apenas dois minutos, uma avalanche de detritos de mineração chegaria ao Bairro dos Pinheiros, onde ela mora, se a barragem de rejeitos da Mina Serra Azul, da ArcelorMittal, se romper da mesma forma como a Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, matando 270 pessoas, em janeiro de 2019. Na época, a velocidade da onda mortal foi de 114km/h. Se isso ocorrer em Itatiaiuçu, levaria aproximadamente um minuto para os rejeitos chegarem ao local onde a mineradora quer construir uma barreira de contenção a 2 quilômetros da estrutura, metade do caminho até a comunidade. As atenções se voltaram para a mina depois que a reportagem do Estado de Minas revelou que o barramento piorou na escala de emergência e atualmente figura no patamar mais crítico de instabilidade, o nível 3 de emergência.

"Nosso bairro foi todo interditado. Tiraram as pessoas dos lugares onde a lama da barragem pode atingir, mas se tiver um rompimento e a gente estiver transitando, ou estiver na rodovia... É um medo que a gente convive desde 2019 e não sabe quando vai passar", afirma Marlene. Sem que a barragem rompesse, parte dos sonhos de vida dela já foram brutalmente atingidos. "Tinha acabado de montar um restaurante. Servia almoço para o pessoal das empresas e apostei tudo que tinha nisso. De uma hora pra outra veio a empresa e saiu tirando as pessoas e fechando as ruas, interditando casas. Meu negócio acabou. O bairro agora é uma cidade-fantasma", considera a comerciante.

 

Assim como ela, o autônomo Fernando Tiago Rosa, de 38, diz não confiar nas ações da empresa. "A gente que é a comunidade, que está no caminho do desastre, é sempre o último a saber. De repente, interditaram as ruas e tiraram as pessoas. Agora, a barragem está no nível mais crítico e ninguém falou nada. Precisou sair na mídia para virem nos avisar. Imagina se alguma coisa pior estiver por acontecer? Como vamos confiar?", questiona o autônomo, que vive com o pai, Venerino Pereira Rosa, de 92, na última casa antes da zona de autossalvamento. Essa área, já evacuada, tem acesso restrito vigiado por seguranças da ArcelorMittal e até mesmo proprietários que quiserem fazer algo em suas residências precisam ser escoltados.

A idade avançada trouxe surdez a Venerino e com isso ele não é capaz de ouvir as sirenes de alerta que a ArcelorMittal instalou na zona de autossalvamento. “Assim como o meu pai, há vários idosos que podem ser apanhado de surpresa se um rompimento ocorrer”, afirma Fernando Rosa.

A 5 quilômetros da barragem, pouco abaixo do Bairro Pinheiros, está a rodovia mais movimentada de Minas Gerais, a BR-381 (Fernão Dias), ligação entre Belo Horizonte e São Paulo. Só no posto de contagem de veículos do município vizinho, de Igarapé, a média é de 31.840 veículos passando diariamente no trecho, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os rejeitos, na hipótese de se comportarem como em Brumadinho, chegariam à rodovia em 2min30 após uma ruptura da barragem.

A 12 quilômetros da barragem, em nível crítico de emergência, se encontra a maior captação de água reservada da Copasa na Grande BH, o reservatório de Rio Manso, dimensionado para abastecer 35% da região, cerca de 1,5 milhão de pessoas. As águas retiradas e tratadas para a distribuição poderiam ser atingidas pela lama e os rejeitos de minério em cerca de 6 minutos.

Como a reportagem do Estado de Minas mostrou com exclusividade na edição de ontem, a 2 quilômetros da barragem em nível crítico, uma área rural vem sendo preparada pela ArcelorMittal para receber uma barreira de contenção contra os rejeitos em caso de rompimento. Entre pastos e roças, essa área vai sendo aberta e o canteiro de obras toma forma, com um intenso descarregar de material de construção. Contudo, não há ainda uma data para que a estrutura fique pronta. De lá, a barragem é apenas um risco verde nas montanhas carcomidas pela mineração. Mas em apenas um minuto toda a fúria do rompimento seria sentido naquele local caso a massa de detritos alcance a mesma velocidade do rompimento de Brumadinho.

LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS - Marlene Santos

"Nosso bairro foi todo interditado.É um medo que a gente convive desde 2019 e não sabe quando vai passar” Marlene Santos, comerciante


Famílias realocadas para imóveis de aluguel

Devido ao elevado risco da barragem da Mina de Serra Azul, 859 famílias são assistidas pela ArcelorMittal, segundo a empresa. Dessas, 56 foram realocadas preventivamente e residem em imóveis alugados pela empresa. Os núcleos familiares evacuados receberam auxílio emergencial mensal até junho de 2021.

“A partir da assinatura de um acordo, em 7 de junho de 2021, o auxílio emergencial foi substituído por pagamento de uma verba mensal, estendida a outras famílias da região, para fomento da economia local como forma de reparação coletiva”, informa a mineradora.

Com relação às indenizações e reparações a empresa sustenta que celebrou, em junho de 2021, o “primeiro acordo extrajudicial, no Brasil, em situações dessa natureza, com participação dos ministérios públicos Federal e Estadual e a comunidade – assistida por uma assessoria técnica independente –, o que permitiu que os parâmetros fossem definidos coletivamente, com participação ativa da comunidade, de modo a possibilitar a construção de soluções definitivas de reparação.

O Termo de Acordo Complementar (TAC) contempla critérios para as indenizações de moradia, atividades econômicas e agropecuárias, danos morais e parte dos danos coletivos – as discussões finais sobre danos coletivos serão tratadas em um acordo paralelo. Os primeiros acordos individuais com as famílias atingidas foram assinados em janeiro de 2022.

“O retorno definitivo das pessoas realocadas para as suas casas está assegurado pelo acordo celebrado e ocorrerá assim que a área estiver totalmente segura, em comum acordo com as autoridades competentes que acompanham o processo”, informou a empresa, sem o estabelecimento de uma data ou estimativa. “A ArcelorMittal reafirma que todas as medidas de prevenção e controle, tais como controle de acesso, manutenção de imóveis, transporte etc. serão mantidas até a completa liberação da área. A empresa reforça que, desde 2019, optou por adotar, preventivamente, medidas de segurança superiores às exigidas pela legislação da época, tendo, inclusive, promovido a realocação preventiva da comunidade na zona de autossalvamento (ZAS), de modo a garantir total segurança das pessoas”, informa a mineradora.

Sobre a estrutura de contenção a jusante (ECJ), a empresa informou que se trata de uma grande barreira física próxima da área da barragem para contenção dos rejeitos na hipótese de eventual rompimento. “O projeto em discussão junto às autoridades aponta para uma estrutura utilizando estacas de aço encravadas no solo, concreto e pedras. O projeto básico da ECJ será apresentado ao Ministério Público até 30 de abril de 2022 e o projeto executivo até 30 de agosto de 2022, conforme termo de acordo firmado em novembro de 2021. Todas as atividades passíveis de serem executadas, tais como abertura de acessos, supressão vegetal, preparação da base do terreno e preparação de canteiros de obras, estão em execução. A área para construção da estrutura foi definida por critérios de engenharia, de modo a mitigar potenciais impactos ambientais e garantir a segurança dos trabalhadores”, informa a ArcelorMittal. No que diz respeito à elevação do nível de emergência, a empresa afirma que cumpriu todas as diretrizes previstas pela legislação.

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