Uma mulher de 42 anos, que não teve sua identidade revelada, é uma mulher com HIV, que descobriu sua condição no ano de 2014. Começou um tratamento em 2015 e levava uma vida normal. Ela mantinha a informação sobre ser portadora da doença em segredo por medo das consequências profissionais e pessoais para sua vida, somente sua mãe tinha essa informação.
"Perdi a vontade de viver com tanta exposição. Hoje, sinto que não sou a mesma pessoa de antes. Senti um distanciamento de quem estava à minha volta e, às vezes, me sinto até perseguida. Saía de casa e via que as pessoas estavam falando de mim", afirma ela após funcionários do Centro de Referência de DST/AIDS Santo Amaro, bairro da zona sul de São Paulo, expuseram laudos médicos dela a outras pessoas sem sua autorização.
No dia 4 de fevereiro de 2022, a moça resolveu entrar com uma ação contra o município de São Paulo, responsável pelo gerenciamento do centro de saúde, pedindo uma indenização por danos morais."Desde o início procurei apoio jurídico porque sabia dos meus direitos, mas só agora tive coragem de revisitar toda a história porque tudo isso me magoa e mexe muito comigo. Tive um abalo psicológico forte, isso tudo me causava muito transtorno e brigas familiares".
"Em 2020, eu tinha um relacionamento com um policial militar. Um dia, ele me ligou e contou que havia recebido mensagem de um número desconhecido falando que eu tinha HIV. As mensagens diziam para ele tomar cuidado porque eu era 'aidética' e estava 'passando AIDS' para todo mundo foi horrível", relembra.
"No impulso, acabei falando que tinha HIV quando estava tomando cerveja com algumas pessoas em casa e disse que, se não quisessem aceitar, o problema era delas, mas minha filha acabou ouvindo. Ela acabou guardando essa informação para usar contra mim", contou também que nunca teve uma boa relação com sua filha
"O preconceito com pessoas soropositivas ainda é muito grande, infelizmente. É como se eu fosse uma escória da humanidade. Além disso, sou uma mulher negra, então há o peso dos preconceitos."
Em uma discussã, sua filha mandou mensagens para uma amiga revelando a história da mãe "Essa amiga pediu para minha filha provar que eu era soropositiva, foi aí que tiveram a ideia de buscar meu prontuário médico no centro de saúde."
"Até por uma questão de sigilo médico não poderiam entregar nada para ela sem a minha autorização. Ainda era início da pandemia, e ela chegou dizendo que eu estava internada com covid, o médico precisava saber quais eram os remédios que eu tomava. Aí ligou para essa amiga que fingiu ser eu e pediu para liberar o prontuário. Nesse momento minha filha tirou fotos do prontuário e minha vida virou um verdadeiro inferno, é algo que me dói e vou carregar para sempre."
A vítima procurou a advogada criminalista Carolina Fichmann, com ampla atuação na área do direito das mulheres. Amparada pelo artigo 89 do Código de Ética Médica, parte de uma Resolução do CRM (Conselho Federal de Medicina) de 2009, que proíbe o fornecimento de prontuários médicos a terceiros.
Advogada ainda afirmou que, além da ação contra o município, irá entrar com um pedido para que o Ministério Público intervenha e investigue as ações da filha da vítima e de sua amiga. "Tiveram uma atitude que não pode ser tolerada de forma alguma e devem ser investigadas e punidas pelo rigor da lei".
"São duas questões relevantes. A primeira diz respeito ao sigilo médico. A segunda é sobre a responsabilidade civil do município. O que acontece foi inescrupuloso e surreal. A funcionária do centro de saúde deveria ter agido com o maior dever de cuidado, mas esse dever não existiu. Eles não podem entregar o prontuário e, mesmo sem intenção de dolo, houve uma responsabilidade objetiva. É um direito da vítima como cidadã ser indenizada por tudo o que ela sofreu", disse Fichmann.