Ventos muito fortes são a principal causa de morte das árvores localizadas na borda sul da Amazônia.
Essa é a principal conclusão de um estudo feito por cientistas da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) em parceria com as universidades britânicas de Leeds e Oxford.
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Graças a um monitoramento que já dura quase três décadas e analisa individualmente 15 mil árvores de tempos em tempos, o grupo foi capaz de identificar os fatores que estão por trás da morte das árvores.
O trabalho mostrou que a principal causa de danos, muitas vezes irreversíveis, são as ventanias atípicas, seguidas pelos períodos de seca.
"E nós sabemos que o aquecimento global faz com que esses eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais comuns, o que representa uma ameaça à floresta", adianta a bióloga Simone Matias Reis, autora principal do artigo.
Entenda a seguir como o estudo ajuda a fazer o diagnóstico da situação de momento e o que ele revela sobre o futuro de toda a Amazônia.
Onde ocorre a transição
Para realizar esse tipo de investigação, os especialistas não escolheram a borda sul da floresta, que compreende os Estados de Mato Grosso e Pará, por acaso.
Oliver Phillips, professor de ecologia tropical da Universidade de Leeds, no Reino Unido, explica que essa é uma área de transição entre a Amazônia e o Cerrado.
"As áreas de transição são naturalmente mais sensíveis, então já é esperado que elas sejam as primeiras a sentir os efeitos das mudanças climáticas", diz.
O especialista, que também assina o estudo recém-publicado, chama a atenção para o fato de que essa borda sul é uma das regiões mais secas, quentes e fragmentadas de toda a América do Sul.
"Isso pode nos dar ideias de qual será o futuro das florestas tropicais, incluindo a própria Amazônia", complementa.
A engenheira florestal e ecóloga Beatriz Schwantes Marimon, que é professora da Unemat e também foi uma das coordenadoras da pesquisa, conta que os monitoramentos de grandes áreas verdes geralmente utilizam imagens de satélite, que permitem fazer análises maiores e de larga escala.
Na contramão, esse trabalho adotou uma abordagem diferente. Os especialistas iam a campo ver o estado de saúde de mais de 15 mil árvores espalhadas por 19 pontos da mata — um esforço "de formiguinha", na avaliação dos próprios pesquisadores.
"Fazemos isso de rotina há 27 anos, mas, a partir de 2008, começamos a olhar a árvore em si, o quanto da copa estava quebrada, se tinha muito cipó, se ela estava inclinada, com buracos ou outros sinais de envelhecimento", lista.
"Eu lembro de onde podia encontrar um certo jatobá, uma palmeira… E daí, quando retornava àquele lugar, um vento tinha derrubado tudo", confessa a pesquisadora.
Foi a partir da compilação de todas essas observações que o grupo conseguiu entender o que estava causando a morte dessas espécies nativas: as ventanias atípicas e os períodos de seca.
O estudo foi publicado no Journal of Ecology em 22 de fevereiro e contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq.
Uma morte lenta e dolorosa
"Os dados nos mostram que a frequência de ventos fortes vem aumentando nessa região", aponta Reis.
As rajadas mais violentas são capazes de balançar muito a árvore, até o ponto em que os galhos se quebram ou a raiz se desprende da terra.
Com partes importantes da estrutura rompida, perde-se uma parte ou toda a copa, onde estão localizadas as folhas.
Sem as folhas, o processo de fotossíntese acaba comprometido, o que inviabiliza a "alimentação" da árvore.
Agora, se a ruptura ocorre na raiz, a planta tem pouco (ou nenhum) contato com o solo e não consegue mais extrair a água e os nutrientes necessários para sua sobrevivência.
Reis acrescenta que esse é um processo que pode se prolongar por muito tempo.
"Quando retornamos para uma observar árvores que estavam com a copa quebrada, cerca de 70% delas estão mortas depois de dois ou três anos", calcula a bióloga.
Um processo que se retroalimenta
Marimon destaca que a morte da vegetação natural é estimulada e facilitada por uma série de fatores extras.
"Nós também estamos passando cada vez mais frequentemente por períodos de seca, o que deixa as árvores frágeis", diz.
"Daí você nem precisa de um vento tão forte assim para causar danos ou derrubar galhos e troncos", completa.
Segundo a especialista, também é preciso ter em mente que a morte de uma árvore representa um perigo para todas as outras ao redor: quanto mais a floresta fica fragmentada, maior o risco de as copas e os galhos ficarem expostos às rajadas.
"Nesses casos, basta um vento mais forte para derrubar um trecho inteiro de floresta", conta a ecóloga.
Como mudar esse cenário?
De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as observações feitas na borda sul da Amazônia sinalizam o que pode acontecer com todo esse bioma nas próximas décadas.
"Se as mudanças climáticas e a perda de vegetação continuarem nesse ritmo, espera-se que esse cenário de ventanias e estiagem se espalhe mais profundamente pelo coração da Amazônia", alerta Phillips.
"Nosso trabalho serve, portanto, como uma janela para vislumbrar o que pode ser o futuro de toda a região", complementa Reis.
Para evitar que esse cenário vire realidade, a única saída é frear o desmatamento e até pensar em maneiras de restaurar a vegetação das áreas mais degradadas, acreditam os pesquisadores.
"Precisamos de uma moratória completa na destruição das áreas verdes por aqui, pois já existem muitos locais que foram abertos e são mal utilizados", propõe Marimon.
"A taxa de mortalidade das árvores está acelerando e vemos que a floresta está começando a perder a capacidade de recuperar-se", acrescenta Phillips.
"E nós precisamos dar ao que resta da floresta a chance de encontrar o equilíbrio novamente", finaliza o pesquisador.
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