No imaginário popular, o poder econômico que o agronegócio possui tem um rosto masculino. Mas o setor, que movimenta quase 30% do PIB brasileiro, também abriu caminhos para o protagonismo das mulheres.
No entanto, a representatividade no Congresso Nacional pode demonstrar a diferença entre os gêneros no campo. De acordo com a última atualização feita no site Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), de seus 280 membros, entre deputados e senadores, apenas 18 são mulheres, ou seja, 6,42%. Uma pequena amostra da disparidade entre a presença de ambos os gêneros no setor.
Das 15.776 propriedades reconhecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseado no censo Agro de 2017, apenas 5.268, ou seja, 33,3% dos locais têm mulheres no comando como proprietárias ou coproprietárias. No Brasil, 18% das propriedades são geridas por mulheres. Os dados são da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-DF).
De olho neste cenário, e com objetivo de integrar melhor a mulher no setor, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) instituiu a Comissão Mulher Aprosoja Brasil. A iniciativa busca incentivar esposas e filhas de produtores a atuar mais nas propriedades.
Neste mês da Mulher, o Correio conversou com elas, que ocupam postos de destaque em fazendas e propriedades rurais em diferentes pontos do país para compreender como é a trajetória para conquistar esses espaços.
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Patrícia Nita, Distrito Federal
A produtora saiu da cidade há dois anos para se aventurar no cultivo de morangos em Brazlândia. A mudança aconteceu devido às dificuldades da pandemia em seu comércio e o investimento no meio rural foi “a única saída”.
Foi preciso jogo de cintura. “Para mim, a maior dificuldade foi com os trabalhadores. É muito difícil para eles lidarem com uma mulher dando ordens na propriedade”, explicou.
A história de Nita com os morangos começou com o encanto que teve ao ver uma safra pela primeira vez na propriedade de uma amiga. “Vi que era uma forma de empreender, pois ela plantava e não conseguia atender a demanda dela. Resolvi investir um dinheiro que estava parado. Levei meu esposo para conhecer a propriedade dela, ele ficou desacreditado, disse ‘nunca mexemos com isso’, mas eu pedi o voto de confiança dele”, conta a produtora, que diz que é a empreendedora da família e o marido, a parte administrativa.
Tânia Felix, Distrito Federal
A produtora Tânia, de Brazlândia, é de família ligada ao campo, que plantava cebolas e melancia em Barreiras, na Bahia. Chegou ao DF em 2016, morou na cidade e demorou um tempo até retornar às suas raízes. “Nós migramos da Bahia para cá, foi bem difícil. Na cidade, não encontramos o mesmo apoio do campo. Tivemos que aprender o manejo (morango, milho, pimenta-de-cheiro)”, disse.
Tânia fez diárias em outras propriedades para aprender como era o preparo da terra até o ponto da colheita. “Nas diárias, as pessoas foram receptivas, mas a parte masculina menos. Eles viam uma mulher na roça, pegando uma enxada, querendo capinar e não davam credibilidade”, afirmou. “Aqui na propriedade, os homens encaram de forma mais natural, porque tudo o que eu faço eles fazem, e já faço há mais tempo que alguns”, completou. “Não mudaria de vida, não voltaria para a cidade de jeito nenhum. Eu amo o campo”.
Alexandra Cossul, Mato Grosso
"O agro ainda é visto como um setor masculino, desde a atividade até as lideranças”, afirmou. Alexandra trabalha com a família e está encarregada da parte administrativa e financeira. “A geração da minha mãe foi criada e ensinada para ser do lar. Basicamente, essa foi a criação que eu tive e, a partir do momento que eu fiz uma faculdade e uma pós-graduação, vi que não era só isso”, disse.
Para ela, a tecnologia traz a necessidade de mão de obra qualificada e essa é a porta de entrada da mulher para o agro. “O administrativo de uma fazenda é essencial. Meu pai que está à frente, mas não tem o conhecimento que eu tenho de custo de produção, por exemplo.”
Alexandra observa que há aumento no interesse das mulheres em administrar propriedades herdadas, adquirir ou mesmo trabalhar em empresas agrícolas. “Nós conseguimos contribuir com o agro e somos capazes de alcançar altos cargos”, frisou.
Amanda Burnier, Mato Grosso
Para Amanda, mesmo sendo gratificante e imprevisível a vida vivida por safras, há muito o que melhorar quando se é mulher. “Para ser mulher aqui, você precisa dominar o que faz e provar o tempo todo que domina, e ainda assim será testada”, afirmou.
Amanda não sentiu dificuldades com fornecedores ou parceiros. O desafio maior foi com outros produtores: havia inflexibilidade e uma visão deturpada do que ela era capaz.
“Nós, mulheres, trazemos uma nova visão de estilo no agro. Somos mais detalhistas, damos caminhos mais sustentáveis e desmitificamos a questão da força com criatividade”, explicou. E reiterou: “O feminino quer somar e não tomar o lugar de ninguém”.
Lenice Gazolla, Mato Grosso
Lenice foi incentivada a dar continuidade nos negócios da família. “Sempre tive apoio do meu pai e do meu irmão. Eles não mediram esforços para me ajudar com os compromissos da propriedade”.
Graças a esse apoio, a matogrossense conta que não se abalou. “Não me deixei abalar com certas situações. Pelo contrário, tive total apoio da minha família”, destacou. Segundo ela, o atual momento do mundo ajuda com a nova visão no campo, onde a mulher se empodera em diferentes setores. “Nos destacamos no agro por competência, capacidade, jogo de cintura e determinação”.
Tábata Stock, Paraná
“Seria hipocrisia negar que não há dificuldades por ser mulher e estar no comando de fazenda”, contou Tábata, que mora em Entre Rios, distrito de Guarapuava, interior do Paraná. “Uma comunidade muito enraizada, fechada, onde a modernidade assusta”, descreveu.
Ao levantar a bandeira de inovação na gestão do agro, Tábata sentiu resistência. “Até hoje há desconfiança sobre meu trabalho”, afirmou a produtora, que sente maior barreira vindo de outras mulheres.
“Quando escutamos a palavra machismo, pensamos no homem querendo se sobrepor. Eu sofro mais por parte das mulheres. É um assunto complicado.”
Caroline Barcellos, Goiás e Tocantins
Caroline conta que na fazenda de sua família, homens e mulheres trabalham juntos. “As mulheres são participativas e são apoiadas pelos homens aqui. Isso facilita a liderança”, disse. A produtora hoje é vice-presidente da Aprosoja no estado de Tocantins. “Em nossa diretoria temos outra mulher, pois somos parceiros e complementamos nossos conhecimentos”, disse. Caroline diz que não sentiu dificuldade em chegar lá, pois conquistou seu espaço por sua competência e ser mulher não foi um empecilho ou um fator definitivo. Ela observou que teve apoio do pai, do irmão e do marido.
Apesar disso, admite que há resistência no setor. “Existe machismo, mas ele só abala quando nos vitimizamos”, defendeu. E completou: “Não estou falando daquelas que são proibidas ou que não são respeitadas por serem mulheres, isso existe e não pode ser ignorado”, afirmou.
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