mérito indígena

Ex-presidente da Funai devolve medalha de mérito indígena: "Ofendido"

Sydney Possuelo, uma das maiores autoridades do país sobre os povos nativos, considerou uma ofensa entrega da honraria a Bolsonaro, que já sugeriu que o Exército brasileiro deveria ter "dizimado" índios

Tainá Andrade
postado em 18/03/2022 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

O sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai e uma das maiores autoridades sobre a questão indígena do país, devolveu, ontem, a Medalha do Mérito Indigenista, que recebeu há 35 anos. O gesto foi em protesto à concessão da honraria ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que em várias oportunidades se colocou contra os direitos dos povos originários — como, por exemplo, quando criticou a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) não acatar a tese do novo marco temporal da demarcação das terras indígenas.

Possuelo esteve no Ministério da Justiça não apenas para protocolar a devolução da honraria, mas também para deixar uma carta (veja abaixo a reprodução) endereçada ao ministro Anderson Torres — que assinou a portaria concedendo a medalha a Bolsonaro e a outros integrantes do governo. O sertanista afirmou que se sentiu "ofendido" ao receber a mesma homenagem entregue a alguém que, segundo ele, faz campanha contra a demarcação e propõe a mineração industrial dentro das reservas.

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PRI-1803-CARTAMEDALHA.jpg (foto: Editoria de arte)

"A Constituição, no artigo 231, determina e dá um prazo para as demarcações. Ele (Bolsonaro), em sua campanha (eleitoral de 2018), disse que não ia demarcar. É uma ação contra os povos indígenas. Fiquei pensando: se eu me senti ofendido, quem dirá aqueles que dedicam a vida a essa eterna defesa da causa", salientou.

Atrocidades

Na carta para Anderson Torres, Possuelo lembra que os povos autóctones foram vítimas de atrocidades. E destacou um ataque feito pelo presidente, quando ainda era deputado federal, que, de acordo com o sertanista, ofende a memória do marechal Cândido Mariano Rondon — que, entre outras defesas da causa indígena, estimulou a criação do Parque Nacional do Xingu — e o Exército.

"Entendo, senhor ministro, que a concessão do mérito indigenista ao senhor Jair Bolsonaro é um flagrante, descomunal, ostensiva contradição em relação a tudo que vivi e a todas as convicções cultivadas por homens da estatura dos irmãos Villas-Bôas", diz um trecho da carta.

Para Possuelo, é importante chamar a atenção para a política anti-indigenista do atual governo. "Essa política é a pior de todas. Os que aceitaram e foram alardeados, todos concordam com essa política que o governo vem adotando. Tenho a medalha há 35 anos com orgulho e, de repente, vejo que ela está desmanchando", lamentou.

Possuelo recebeu em 1987 a comenda, criada em 1972, no governo do general Emílio Médici. "Foram 48 anos de indigenismo e sou muito grato à vida por ter dado a oportunidade de trabalhar com índios. A convivência com eles abre a cabeça e o coração para sentimentos perdidos na sociedade. Cair na mão de pessoas erradas esse prestígio é desonroso", criticou.

O etnógrafo é o último representante e um grupo de estudiosos liderado pelos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas. Possuelo viveu por mais de 50 anos na selva amazônica. Por ser uma das maiores autoridades do país em povos isolados da região, quando presidiu a Funai promoveu uma série de ações para proteger essas comunidades de atividades predatórias, como a exploração ilegal de madeira e o garimpo irregular.

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