Em solidariedade à Ucrânia, que resiste a uma invasão do exército russo há mais de 10 dias, o brasileiro David Motta Soares, de 24 anos, decidiu deixar para trás um lugar de destaque no renomado balé russo de Bolshoi, em Moscou.
“Não posso agir como se nada estivesse acontecendo, simplesmente não consigo acreditar que tudo isso está acontecendo de novo. Já passamos por isso, deveríamos ter aprendido com o passado”, escreveu o bailarino em uma publicação no Instagram.
Há pouco mais de uma década, a trajetória internacional de David Motta Soares teve início e o Correio Braziliense teve um lugar especial nessa caminhada.
Aos 13 anos de idade, o garoto de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, teve a história contada nas páginas do jornal da capital. Na época, David treinava para chegar aos Estados Unidos, onde faria um curso de três meses em uma companhia renomada. Ele havia sido selecionado entre jovens bailarinos de todo o mundo, mas ainda lutava para conseguir dinheiro para chegar ao solo estadunidense e se manter por lá.
O repórter Marcelo Abreu marcou um encontro com o bailarino no Teatro Nacional de Brasília. Chegando lá, encontrou um garoto tímido e esguio, mas cheio de sonhos que não cabiam mais na vida que ele levava no interior do Rio de Janeiro.
“Ele tinha vergonha de encarar as pessoas”, relembra o jornalista. “Comecei a ouvir a história dele. Filho de uma doméstica e de um pedreiro, um dia, ele bateu à porta da escola de balé da professora Ophélia e ficou espiando. Tinha 10/11 anos”, conta.
“Ela o percebeu. E lhe perguntou se ele queria fazer uma aula. Era o que mais ele queria. Os olhos falavam por ele. Mas sequer tinha sapatilhas. Só um tênis surrado”, relembra.
O menino se encontrou na dança, que era um segredo em casa — apenas a mãe sabia. “Um dia o menino se apresentou. E foi um sucesso. E o pai soube. Não aceitou de cara. Mas acabou entendendo, aos pouco, que ali era o caminho do filho. Enquanto o pai pedreiro tentava entender o filho de sapatilhas dançando na ponta dos pés, a mãe doméstica chorava vendo-o saltar nos palcos de Cabo Frio. Ela sabia que era o sonho dele”, conta Marcelo.
Após a publicação da reportagem com David, a repercussão foi imediata e garantiu ao jovem bailarino a oportunidade de voar para os Estados Unidos e dar os primeiros passos de uma carreira brilhante. De lá, o garoto conquistou a oportunidade de ir para o famoso Balé Bolshoi, na Rússia, quando tinha apenas 13 anos de idade.
Em pouco mais de uma década, David construiu um legado acompanhado e elogiado pela crítica especializada da Rússia. “É, de fato, um espetáculo, até pra quem não entende nada, nadica de balé, como eu. Mas os olhos veem. E sentem. Às vezes, até mais do que deveriam”, explica Marcelo.
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O caminho até o posto de solista em uma das maiores companhias de balé do mundo chegou ao fim agora, em uma decisão que ultrapassa as barreiras da arte e da dança. “Eu tenho muitos amigos com famílias na Ucrânia e não consigo nem imaginar o que eles podem estar passando agora com toda essa situação. Meu coração está com eles”, escreveu David, em inglês, pelo Instagram.
A demissão do brasileiro segue a do diretor musical e maestro principal do Bolshoi, o russo Tugan Sokhiev, que renunciou no último domingo (6/3).
O balé de Bolshoi está entre as instituições culturais que mais sofreram com a reação mundial ao ataque de Putin à Ucrânia. A temporada que a companhia teria em Londres, no Royal Opera, foi cancelada no último dia 25, motivada pela invasão ao território ucraniano.
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