O Dia Mundial do Câncer é celebrado na próxima sexta-feira (4/2). Com a intenção de chamar a atenção para as desigualdades em torno da doença e mostrar que a prevenção, o diagnóstico e o tratamento precisam ser acessíveis a todos, organizações do mundo inteiro integram em conjunto a campanha Por Cuidados Mais Justos, da União Internacional para o Controle do Câncer (UICC).
A Fundação do Câncer realizou um levantamento inédito que revela que muitos casos e mortes da doença poderiam ser evitados. A pesquisa “Conhecimento e Práticas da População e dos Profissionais de Saúde sobre Prevenção do Câncer do Colo do Útero” identificou as barreiras na prevenção e vacinação contra o Vírus do papiloma humanos (HPV) e no rastreamento para o câncer do colo do útero, responsável pela morte de mais de seis mil mulheres por ano no Brasil.
A primeira parte do estudo, divulgado em coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (3/2), detalha conhecimentos, atitudes, práticas, mitos e fake news sobre a prevenção do câncer de colo do útero, tendo crianças/adolescentes, pais/responsáveis e mulheres como público-alvo. Já a segunda etapa, que ainda está em fase de finalização, abrange conhecimento e a atuação dos profissionais de saúde relacionados à prevenção do HPV, maior causador da doença, e ao rastreamento.
Os resultados apontam para as desigualdades existentes em toda a cadeia envolvida no enfrentamento contra o câncer de colo do útero. Regionalmente, os estados do Norte são os primeiros colocados no ranking da doença, por falta de acesso a informações, vacinação, exames de rastreamento/confirmação diagnóstica e tratamento. “É algo inaceitável, já que vacina e exame preventivo ajudam a evitar a doença e estão disponíveis gratuitamente no SUS. Isso já é uma desigualdade extrema e injusta, e para estas iniquidades na Oncologia que a UICC pede atenção na campanha de 2022”, destaca Luiz Augusto Maltoni, diretor-executivo da Fundação do Câncer.
“Nossa iniciativa com a pesquisa e a mobilização neste 4 de fevereiro faz parte das ações oficiais propostas por organizações de todo o mundo para essa campanha da UICC. A Organização Mundial da Saúde tem o objetivo de atingir, até 2030, metas que visam erradicar o câncer de colo do útero — causa de morte de mais de 331 mil mulheres por ano no mundo. Nossa ideia com esse movimento é mostrar que políticas preventivas podem mitigar o cenário de adoecimento e morte, especialmente quando já existem alternativas eficazes para prevenção”, afirma Maltoni.
A revisão sistemática da Fundação do Câncer — com base em 16 estudos que, agrupados, oferecem informação de qualidade a respeito da vacinação contra HPV — apontou que crianças, adolescentes e pais ouvidos desconhecem tanto a efetividade da vacina quanto a maneira como deve ser aplicada e se rendem às fake news disseminadas a respeito.
“Nosso alerta é para que haja mais informação neste sentido”, destaca a médica Flávia Miranda Corrêa, que coordenou o levantamento. “Crianças e jovens entrevistados, com idades entre 10 e 19 anos, não sabiam que a vacina previne contra câncer de colo de útero. Entre 53% e 76% não sabiam que previne o aparecimento de verrugas causadas pelo HPV. Especialmente quando falamos de adolescentes, é um percentual de desconhecimento muito alto”, ressaltou Corrêa, que é doutora em Saúde Coletiva.
Rastreamento
Dados de 52 estudos, com a participação de 54.617 mulheres de 14 a 83 anos, apontam para falta de conhecimento e práticas inadequadas entre 40% e 71%, respectivamente. Os principais motivos apontados pelas mulheres que nunca realizaram o exame preventivo foram: “não achavam necessário” (45%), “não foram orientadas” (15%) e “tinham vergonha” (13%).
O levantamento da Fundação do Câncer concluiu ainda que os fatores baixa renda, menor escolaridade, cor da pele parda ou negra, residência em áreas urbanas pobres e rurais estão mais associados ao conhecimento insatisfatório e práticas equivocadas referentes à vacinação contra HPV e ao rastreamento do câncer do colo do útero, o que reforça a importância da luta contra a iniquidade.
Desinformação
O estudo revelou ainda que 82% dos entrevistados acreditam que a vacina previne outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), além do HPV. “Isso é um perigo! Precisamos esclarecer que a vacina tem a função específica de evitar os danos do HPV: verrugas, lesões precursoras e o próprio câncer de colo de útero. Doenças como sífilis, contágio por HIV e demais DSTs não estão contemplados nessa imunização”, alerta a médica.
O levantamento aponta para um possível problema relacionado a mitos e fake news. Entre 36 e 57% do público-alvo acham que o imunizante contra HPV não é seguro. E de 35 até 47% acreditam que pode incentivar a iniciação sexual precoce. “Precisamos tratar desse tema com naturalidade e estudar maneiras de levar a informação segura e séria para esse público e suas famílias”, destaca Corrêa.
A visão dos pais ou responsáveis também demonstra o mesmo problema de desinformação: 17% disseram não saber que a vacina previne câncer do colo do útero e 33% não tinham ideia sobre a prevenção de verrugas anais e genitais; 74% imaginavam que a vacinação previne outras DSTs e 20% achavam que o imunizante poderia ser prejudicial à saúde; 22% achavam que a vacina poderia incentivar a iniciação sexual precoce dos filhos.
“Em 2014, ano da incorporação da vacinação contra HPV ao SUS, ocorreu a parceria educação-saúde para a aplicação da primeira dose, tanto nos serviços de saúde quanto nas escolas. Talvez essa seja uma medida crucial a ser retomada, para que, além de facilitar o acesso à imunização, auxilie pais, alunos, professores e toda a comunidade a entender verdades, esclarecer mitos e promover realmente a saúde nas escolas, atualizando até mesmo outras vacinas”, sugere a especialista.
Conclusões
De acordo com o estudo apresentado pela Fundação do Câncer, as principais barreiras na prevenção do câncer do colo de útero são:
- Conhecimento insatisfatório sobre segurança, efetividade, eficiência, população-alvo e o número de doses das vacinas;
- Conhecimento insatisfatório sobre as recomendações para o devido rastreamento;
- Práticas equivocadas;
- Baixa renda, menor escolaridade, cor da pele parda ou negra, moradias em áreas urbanas pobres e rurais estão mais associadas ao conhecimento insatisfatório e práticas equivocadas.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro