As mortes e as pessoas desaparecidas na tragédia de Petrópolis (RJ) parecem notícia velha. O cenário de catástrofe e de destruição que se repete 11 anos depois do desastre climático na Região Serrana fluminense poderia ser evitado ou minimizado, porque é resultado do forte volume de chuvas no estado, mas também da negligência do poder público em diversas esferas de governo, segundo especialistas.
Para eles, a repetição de tragédias no Brasil decorrentes de eventos naturais extremos pode ser explicada pela combinação da falta de políticas públicas que garantam moradia segura para os cidadãos, da ausência de investimento preventivo e da falta de ação tempestiva diante dos alertas feitos pelos órgãos responsáveis.
"O sentimento é de indignação, porque os impactos desses desastres podem ser reduzidos e a gente está vendo um repeteco de uma situação que mais uma vez deixou de ser evitada. E mais uma vez não está só tirando vidas, mas também mostrando uma enorme negligência do poder público. Não é um sentimento de impotência. É ao contrário, é um sentimento de que havia muito a ser feito", afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, dedicado às políticas de mudança do clima no Brasil e mestre em administração pública pela Universidade de Harvard.
Na avaliação de Natalie, um dos pontos mais revoltantes da "nova" tragédia de Petrópolis é o fato de que nem os alertas dados pelos órgãos competentes foram considerados pelas autoridades. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) — criado justamente após o desastre na região Serrana do Rio ocorrido em janeiro de 2011, que deixou mais de 900 mortos e mais de 300 pessoas desaparecidas — fez alertas sobre um evento meteorológico intenso na região de Petrópolis.
Investimento
"Para além de todo o processo de não ter havido preparação e investimento preventivo desses impactos, houve ainda uma oportunidade de evacuar a população e era isso que deveria ter sido feito. Não adianta ter a capacidade de monitorar e ter alertas e não agir. É revoltante e faz até a gente pensar até que ponto isso não é um descaso com a população mais pobre", pontua a especialista.
Mestre em administração pública pela Universidade de Harvard, Natalie Unterstell indica que também faltou investimentos em medidas para evitar desastres, já que nem todo orçamento destinado à prevenção de enchentes e deslizamentos foi gasto pelo governo do Rio de Janeiro. Um levantamento feito pelo deputado estadual Eliomar Coelho (PSol/RJ) apontou que aproximadamente 60% da verba do governo do Rio destinada à prevenção de enchentes e deslizamentos para 2021 não foi usada.
"Dos R$ 402,85 milhões que deveriam ter sido investidos em 2021, apenas R$ 167,28 milhões foram, de fato, executados", diz o deputado. "Não é que falta dinheiro, mas sim a decisão de investir. Não teve investimento na prevenção e não foi por falta de recursos. Faltou prioridade política e competência para utilizar", critica a especialista.
Meio ambiente
Além de investimentos de prevenção, ações tempestivas diante dos alertas, autoridades precisam entender e reconhecer que houve mudanças no clima e no planeta nos últimos anos e que o país está sujeito a viver e presenciar eventos naturais que há 40 anos não vivia. Esse é um dos alertas feito pelo professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Rede Clima, Saulo Rodrigues.
"Nos últimos 20 anos, estamos percebendo que tudo que a ciência vinha alertando com risco de acontecer está acontecendo. Os alertas não foram atendidos e a gente precisa reconhecer que esses eventos climáticos estão cada vez mais ameaçadores", aponta o professor.
A coordenadora do programa Direitos Socioambientais da ONG Conectas, Julia Neiva, reconhece a piora do cenário ambiental. "A gente tem advertido sobre os perigos de eventos climáticos extremos e sabemos que eles serão cada vez mais frequentes. Nós estamos falando de tempestades torrenciais decorrentes do aquecimento global. No caso do Brasil, uma das principais fontes do aumento desses gases de efeito estufa é justamente o desmatamento, que tem crescido em taxas arlamantes", afirma.
Para tentar reduzir os impactos das mudanças climáticas, o professor Saulo Rodrigues acredita que, neste caso específico, "a medida mais efetiva seria aproveitar a própria funcionalidade da natureza para nos proteger dela". Para ele, como os moradores localizados nas encostas já ocupam a região há muito tempo, uma desocupação seria drástica e inviável. "A ocupação dessas encostas ocorreu nas últimas décadas. As cidades ficaram inchadas e a população passou a ocupar as periferias", disse.
Por isso, Rodrigues considera que a principal medida contingencial para melhorar o problema com as chuvas na região é o reflorestamento. "Uma medida essencial é reflorestar os locais onde acontecem tragédias como essas. A gente observa nas imagens aéreas de Petrópolis que esses deslizamentos de terra aconteceram onde não tinha floresta. O solo exposto, sem vegetação, fica mais vulnerável. É a floresta que consegue segurar esse solo", pontua.
*Estagiárias sob a supervisão de Rosana Hessel
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