Os temporais que atingiram desde o final do ano passado a Bahia, Minas Gerais, São Paulo e, agora, o Rio foram seguidos por dois tipos de reação.
A primeira é de dor e revolta, pelas vidas perdidas por causa dos desastres, mas é bastante comum ouvir também que esses eventos extremos são por causa das mudanças climáticas.
Mas dá pra dizer isso? Ou são as mesmas tempestades de verão de sempre?
A resposta está no meio do caminho, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Isso porque, sim, nessa época do ano, costumam ocorrer chuvas muito fortes.
Mas, ao mesmo tempo, a frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos está aumentando, de acordo com os dados científicos disponíveis.
A meteorologista Josélia Pegorim, da Climatempo, explica que essas tempestades são um resultado de um fenômeno climático conhecido como zona de convergência do Atlântico Sul.
Essas zonas se formam quando a umidade trazida pelos ventos da Amazônia se encontra com uma frente fria que vem do sul.
Isso faz com que as nuvens carregadas fiquem concentradas em uma região até desaguarem em temporais.
"Praticamente todos os anos a gente observa a formação dessas zonas de convergência, com maior ou menor intensidade. Não é nenhuma novidade, não dá pra dizer que é um fenômeno novo que as mudanças climáticas estão provocando", diz Pegorim.
Combinação
A meteorologista faz uma ressalva, no entanto: as zonas de convergência explicam os temporais em Minas, São Paulo e Bahia, mas, no caso de Petrópolis, tratou-se de um evento diferente e excepcional.
"Os outros eventos de chuvas fortes que teve foram chuvas que foram se acumulando em alguns dias, houve vários episódios de chuva intensa. Foram vários eventos de zonas de convergência atuando na mesma região ao longo de semanas. Em Petrópolis, choveu em três horas mais do que a média histórica do mês inteiro", diz Pegorim.
A meteorologista diz que houve na cidade fluminense uma "combinação perfeita" de fatores climáticos.
O ar já estava úmido por causa de uma frente fria que tinha passado. Ventos vindos do oceano trouxeram ainda mais umidade. E o encontro desse ar mais frio com uma massa de ar quente na região serrana favoreceu a formação de nuvens.
Para completar, o relevo montanhoso fez com que os ventos úmidos subissem as encostas das serras e deixassem as nuvens ainda mais carregadas.
Estael Sias, meteorologista da Metsul, concorda que a chuva que atingiu Petrópolis foi incomum por causa da sua intensidade em uma área tão concentrada, mas diz que isso não chega a ser surpreendente.
Sias explica que o encontro entre massas de ar frio e quente costuma ser o gatilho de formação de nuvens com potencial "explosivo".
O relevo dessa área do Rio também contribui para que ocorram chuvas fortes.
"Não precisa ir muito longe, nas últimas décadas, a região serrana teve temporais, deslizamentos e mortes", recorda a meteorologista.
Ela cita especialmente as chuvas de janeiro de 2011, que deixaram mais de 900 mortos em Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis.
Mas Sias avalia que a ocorrência de uma sequência de chuvas tão intensas em tão pouco tempo, junto com outros eventos climáticos extremos, é um sinal das mudanças climáticas.
"Houve tempestades de areia no ano passado, calor muito forte no sul do país neste ano, cheia no Tocantins, secas intensas. Quando a gente olha tudo isso junto pode considerar um indicativo", diz Sias.
O climatologista Carlos Nobre diz ser raro que as mudanças climáticas provoquem eventos nunca vistos antes.
O mais comum é ver fenômenos extremos como esses cada vez mais intensos e frequentes.
"Basta olhar os relatórios científicos e ver que a frequência das ondas de calor é de três a quatro vezes maior do que há 150 anos, as chuvas intensas que causam desastres ficaram mais frequentes, os incêndios florestais e as secas, batemos recordes de temperatura. tudo isso está acontecendo por causa do aquecimento global", diz Nobre.
O cientista avalia que o que causa a tragédia não é exatamente a ocorrência das tempestades, mas o fato de muita gente morar em áreas de risco e continuarem a viver ali mesmo depois de tragédias como a de 2011, por exemplo.
Hoje, diz Nobre, 5 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco. "Isso não é nada trivial", afirma o climatologista.
"O que a gente vê hoje acontece em meio a um aumento de pouco mais de 1 grau na temperatura do planeta e, mesmo que a gente tenha muito sucesso com as políticas ambientais, ainda vai subir mais, então, a gente precisa colocar em prática políticas para sermos mais resilientes a esses desastres naturais, e a melhor delas é não deixar as pessoas habitarem áreas de risco."
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