Apesar de ter destacado o compromisso do Brasil em "em adotar e implementar completamente políticas públicas em linha" com as metas climáticas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o governo do presidente Jair Bolsonaro continua dando apoio a uma política antiambiental. Para especialistas consultados pelo Correio, o principal desafio para cumprir os objetivos junto à OCDE e à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26) é a atuação do próprio governo.
Um dos últimos atos do presidente foi instituir um programa de apoio ao desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala (Pró-Mape). Entre as metas estão "estimular as melhores práticas, a formalização da atividade e a promoção da saúde, da assistência e da dignidade das pessoas envolvidas com a mineração artesanal e em pequena escala". O decreto considera "mineração artesanal" como aquela voltada à "extração de substâncias mineráveis garimpáveis".
A medida foi criticada por ambientalistas, que acreditam que é apenas mais uma política do governo Bolsonaro para apoiar o avanço do garimpo. O decreto questionado por especialistas também enfrenta resistência de parlamentares. A bancada do PT na Câmara dos Deputados apresentou, ontem, um projeto de decreto legislativo para sustar a decisão do governo. Para os deputados, a medida emite "um sinal verde definitivo" para atuação do garimpo, que cresceu na região da Amazônia Legal durante a Presidência de Bolsonaro.
O decreto dos parlamentares petistas aponta que, segundo informações de entidades como a Operação Amazônia Nativa (Opan) e outras, as requisições para atividade de lavra garimpeira no Amazonas aumentaram 342% no segundo ano do atual governo, na comparação com a média da década anterior.
Além do garimpo, o desmatamento do bioma também bateu novo recorde em janeiro, quando houve aumento acima de 400% na devastação. Os recordes negativos apontam, segundo especialistas, o desmonte que o atual governo faz da capacidade que o país tem de preservar o meio ambiente e seguir práticas de conservação ambiental.
"O Brasil tem todo potencial de entregar o que é requisitado pela OCDE. O país pode fazer isso. A prova é que o Brasil, entre 2004 e 2012, diminuiu o desmatamento da amazônia em 80% com a mesma legislação vigente. O Brasil tem capacidade de fazer isso, mas este governo, não. Este governo desmonta essa capacidade", lamentou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
3 perguntas para Adriana Ramos (Instituto Socioambiental) e para Marcio Astrini (Observatório do Clima):
Como avalia o atual momento do Brasil na área de políticas para o meio ambiente?
AR — Acho que a gente não tem uma política ambiental. O Brasil abriu mão de todas as políticas ambientais que estavam em funcionamento e esvaziou a atuação dos órgãos ambientais. Tem um governo que estimula a ilegalidade e as atividades predatórias, o que implica você ter resultados ambientais muitos ruins. O Brasil retrocedeu bastante.
MA — O que a gente tem é uma frustração, já que o governo federal tem uma linha de conduta de enfraquecer o sistema de proteção ambiental do Brasil. Ele acredita que esse sistema de proteção ambiental joga contra os interesses dos seus eleitores e a missão que impõe é de fragilizá-lo da fiscalização à legislação.
O presidente Bolsonaro disse, em carta à OCDE, que o Brasil possui práticas relacionadas à preservação da área ambiental do país. Isso, de fato, acontece? Estão sendo executadas?
AR — Ele fez um grande esforço para desmontar isso que se tem, mas, apesar do esforço dele, nem
tudo conseguiram fazer, porque muitas coisas a própria Justiça impediu. Outras coisas ele não conseguiu fazer porque estão consolidadas na legislação. O que eles estão fazendo agora é usando o que o Brasil construiu antes dele chegar e que ele tentou destruir como uma garantia de que o país tem condições de
cumprir certos compromissos.
MA — Essas promessas do governo de reverter o atual quadro que foi criado no Brasil só poderão ser cumpridas sem o atual governo. Porque esse governo foi o que implementou o caminho contrário a
promessa que ele mesmo fez. O que eles tentam é sempre vender uma situação em que o Brasil já tem muitas áreas protegidas e já tem uma legislação. O debate, porém, não é sobre o que o Brasil tem, é o que está sendo feito com o que o país tem.
Que outras esferas públicas podem ajudar o Brasil a cumprir e atingir as metas propostas para preservação ambiental? Como o Congresso pode ajudar?
AR — A política ambiental brasileira sempre foi estruturada a partir do sistema nacional de meio ambiente. A lei da política nacional do meio ambiente veio de 1981 e, desde então, o Brasil tem uma política ambiental que reconhece essa necessidade de ter uma complementaridade das diferentes esferas públicas
e a participação da sociedade. Isso foi uma das coisas que a gente rompeu ao reduzir o trabalho do Conselho Nacional do Meio Ambiente e deixar de implementar esses mecanismos de gestão que faziam essa interação.
MA — O Executivo, para a área do meio ambiente, é o poder mais importante que temos, é o eixo mais importante para a política ambiental. Tem também o Legislativo, que, nesse momento, se não atrapalhar,
já faz um grande favor, porque toda agenda do legislativo hoje na área ambiental é de consolidar retrocessos. E a gente precisa também dos governo dos estados, que têm papel importante em outra parte da agenda ambiental.
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