Rumo às praias

Com pistas destruídas, BRs 262 e 381 devem ir a leilão no dia 25

Degradação cresceu após as chuvas nas duas estradas, usadas por caminhões e carros levando mineiros a destinos no litoral da Bahia e Espírito Santo

Mateus Parreiras - Enviado especial
postado em 15/02/2022 12:27 / atualizado em 15/02/2022 12:28
 (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
(crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)

Antes mesmo do castigo das chuvas de janeiro e deste mês, as próximas rodovias federais mineiras que serão alvo de leilão para concessão à iniciativa privada apresentavam estado de conservação deficiente. Com base na metodologia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o chamado Índice de Condição da Manutenção (ICM) indica percentual de 50% da BR-262, que liga João Monlevade, na Região Central de Minas Gerais, a Vitória (ES), em boas condições de trafegabilidade e 50% em situação ruim. A BR-381, via de ligação entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Leste do estado, – desde 2014 sob obras de duplicação –, o ICM indica 44% em boas condições e 56% em condições ruins.

O indicador se refere a dezembro e não leva em conta o fato de as duas estradas contarem com pontos de interdição e desvios precários. O Estado de Minas verificou, ainda, que as duas rodovias foram afetadas por cinco erosões engolindo parte das pistas e 19 deslizamentos de encostas, os quais podem bloquear mais uma vez o tráfego, como mostrou reportagem publicada na edição de ontem.

As duas estradas devem ir a leilão no dia 25, se não houver impugnação do edital de licitação para gestão privada. Não há informações na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre desistências motivadas pelas condições precárias das Brs 262 e 381 e o órgão regulador afirma que há mecanismos no contrato que permitem a restauração da estrada sem prejuízo para as empresas – como retenção de valores devidos pela concessionária para uso emergencial. Vencerá a proposta que ofertar a menor tarifa de pedágio (deságio limitado a 15,57%) e a maior outorga como critério de desempate.

  • Em João Monlevade, buracos que engolem o asfalto se transformam em pesadelo para os condutores, forçando a manobras perigosas e invasão de pistas contrárias. Situação eleva possibilidade de colisões
    Em João Monlevade, buracos que engolem o asfalto se transformam em pesadelo para os condutores, forçando a manobras perigosas e invasão de pistas contrárias. Situação eleva possibilidade de colisões Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Serão concedidos 686,10 quilômetros. Em 2013, o governo federal tentou leiloar a via, mas não houve interessados. O novo leilão foi remarcado três vezes. Caminhos muito utilizados pelos mineiros para viajar para a Bahia, no caso da BR-381, e o litoral capixaba, pela BR-262, atualmente as vias se tornaram o pesadelo dos condutores e um lucrativo negócio para os borracheiros e mecânicos de beira de estrada. “Tem dia que atendemos de 15 a 20 motoristas com pneus rasgados e rodas amassadas. Tem gente que até se acidenta”, afirma o borracheiro Fernando de Jesus, de 43 anos, que atende em João Monlevade, última cidade em que nas proximidades as duas rodovias envolvem 110 quilômetros de trechos coincidentes, desde BH, local em que se separam de novo.

O ponto de maior congestionamento das vias também fica no trecho coincidente, em Sabará, na região metropolitana da capital mineira, entre a ponte sobre o Rio das Velhas e o posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A obra de reconstituição do pavimento levado pelas enchentes repercute em lentidão extrema nos dois sentidos, chegando a gerar até 20 quilômetros de congestionamentos nos piores dias.

Entre Sabará e Caeté, o motorista trafega por uma estrada maltratada, com depressões e ondulações. As pistas da direita em locais de terceira faixa estão ainda piores devido ao tráfego de veículos de carga pesados. São sequências de buracos que podem facilmente cortar os pneus de veículos menores que entrem em velocidade incompatível, ao mesmo tempo em que obrigam alguns caminhoneiros a jogarem seus veículos para as outras faixas e até para a contramão. A degradação é tanta que em algumas curvas os pneus dos veículos lançam fragmentos do asfalto e pedras nos veículos das pistas opostas.

Manobras inseguras

  • O caminhoneiro Weverton Pereira da Silva (E), que esperou 5 horas para conserto de pneu e reparo do sobressalente pelo borracheiro Fernando de Jesus (D), torce por gestão privada das BRs
    O caminhoneiro Weverton Pereira da Silva (E), que esperou 5 horas para conserto de pneu e reparo do sobressalente pelo borracheiro Fernando de Jesus (D), torce por gestão privada das BRs Edésio Ferreira/EM/DA Press
Na parte já duplicada, entre Caeté e Roças Novas, também há problemas trazidos pelo grande volume de chuvas, que produziram cascatas nas drenagens. As encostas saturadas desmoronaram, interrompendo segmentos dos acostamentos com lama e pedras em 19 locais das duas rodovias.

Diante dos prejuízos com reparos e manutenções abreviadas, os caminhoneiros fazem contas e alguns dizem não se importar em pagar pedágio, caso as vias venham mesmo a ser concedidas à iniciativa privada. “Nunca vi essa estrada tão ruim assim. A gente acaba furando os pneus, pode partir o feixe de molas, tombar para desviar, se acidentar fugindo da buraqueira, gasta mais óleo, queima mais diesel, desgasta e tem de trocar mais peças, esticar a viagem e cansa a gente demais. No final, é estresse para a máquina e para nós. Se o pedágio entregar condições, aí pode até compensar”, admite o caminhoneiro Weverton Pereira da Silva, de 34, que leva cal de Vespasiano a João Monlevade. O condutor foi encontrado perto do destino, com o pneu da frente furado. Esperando atendimento desde às 7h, ele precisou de 5 horas para conseguir trocar o pneu e reparar o sobressalente.

O segmento mais crítico fica na área urbana de João Monlevade, na altura do KM 401, no sentido Valadares/Vitória. Cones demarcam buracos de mais de um palmo espalhados por um segmento de mais de 50 metros. Levam caminhões e carros a manobras perigosas, com uns passando por dentro da pista em sentido normal e desviando dos buracos, enquanto outros buscam a contramão. Não raro, há momentos em que cada veículo busca uma solução ao mesmo tempo, ingressando de volta no sentido de circulação regular com o risco de colidirem.

Rotas precárias para vizinhança 'ilhada'

Os maiores estragos provocados pelas chuvas interrompem o tráfego e isolam comunidades cortadas pelas rodovias BR-381 e BR-262. Depois de 20 dias de interdição, no último dia 3, o segmento no KM 321 da BR-381, em Nova Era, recebeu um desvio posterior ao estufamento do asfalto. O contorno, num trecho de 200 metros, foi aberto com a constituição de aterro e a estruturação de um leito de pedras que permite a circulação de veículos nos dois sentidos. Contudo, a situação mais dramática é a da BR-262, em Abre Campo, onde a passagem pelos desvios é incerta, sobretudo devido às condições precárias dessas rotas e à baixa capacidade do contorno aberto pela prefeitura local ao lado do segmento interrompido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Defesa Civil, no KM 96.

  • Na BR-262, em Abre Campo, José Maria Dornellas entrou em desespero quando interdição o impediu de trabalhar
    Na BR-262, em Abre Campo, José Maria Dornellas entrou em desespero quando interdição o impediu de trabalhar Edésio Ferreira/EM/DA Press

Apesar da solução precária, a possibilidade de poder circular fazendo a venda dos produtos da roça que são o sustento da sua família animaram o comerciante José Maria Dornelas, de 56 anos. “Já estava ficando desesperado. Faço vendas em várias rotas, de Belo Horizonte a São Paulo, mas, com Abre Campo sem poder passar, tive de armazenar produtos e fiquei sem renda. É arriscado e a gente acaba perdendo o filé de tilápia, o queijo, a linguiça e o requeijão. Tem de voltar para trás e tentar conservar no freezer”, afirma.

O secretário de Administração da Prefeitura de Abre Campo, Márcio Victor, afirma que o município vive dias de comprometimento de setores essenciais da economia local, a saúde, a educação e o transporte. “As empresas ficaram sem vender, sem ter como os funcionários chegarem ao trabalho. Tivemos pessoas em tratamento médico em outros municípios com hospitais de maior complexidade, mas mesmo pelos desvios essas pessoas não conseguem atendimento. Já tivemos de passar carregando pacientes em macas até as UTIs (unidades de terapia intensiva) móveis. Na prática, estamos ilhados, com desvio seguro só passando por Caratinga, Ipatinga ou Viçosa”, afirma o secretário.

Outros trechos também estão comprometidos ao longo das vias. Na BR-262, a partir de João Monlevade, barreiras desceram e inundaram o acostamento no sentido Vitória de Bela Vista de Minas. As chuvas empoçaram nos buracos, impedindo os motoristas de discernirem se são aberturas remendadas por tapa-buracos ou rombos profundos no pavimento. Outra erosão desintegrou parte da pista no sentido BH do KM 181, onde há buracos tão profundos que são capazes de engolir até as rodas de caminhões. Tiras de pneus de caminhões estiradas em vários trechos mostram o resultado de impactos contra buracos e freadas bruscas para evitar obstáculos e que acabam com os pneus recauchutados de muitos dos veículos de carga.

A inundação de um córrego cobriu de lama o KM 152, que precisa ser limpo com frequência após trecho de 2 quilômetros de asfalto completamente desgastado, com sulcos extensos ainda que não muito profundos. Trabalhadores de macacões laranja limpam a pista e interditam um dos sentidos para a realização dos trabalhos, sendo responsáveis também pela sinalização manual para que os veículos reduzam a velocidade no trecho onde seus companheiros atuam.

Inovações

Esperança para melhorar as condições das rodovias BR-262 e BR-381, a concessão da via para a iniciativa privada terá duração de 30 anos, prorrogável por mais cinco anos. O Ministério da infraestrutura destaca como inovações o desconto de usuário frequente, 5% de desconto para usuários que selecionarem pagamento automático por TAG. Os investimentos totais previstos alcançam R$ 13,4 bilhões, sendo R$ 7,37 bilhões para expansão e melhorias e outros R$ 6,03 bilhões para os custos de operação. Entre as principais obras estão 402 quilômetros de duplicação, 228 quilômetros de faixas adicionais, 131 quilômetros de vias marginais, 40 passarelas e o contorno de Manhuaçu.

“O governo federal, por meio do Ministério da Infraestrutura, concluiu na quinta-feira (3/2) as obras de construção do desvio no km 321 da BR-381/MG, no município de Nova Era, em Minas Gerais. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informa que há uma empresa contratada executando serviços de manutenção permanente no desvio devido às chuvas intensas que atingem o local.

Quanto à BR 262/MG, o Dnit segue com os serviços de sondagens e monitoramento do maciço no km 96, que continua avançado, próximo à região de Abre Campo. Os engenheiros do Dnit atuam em uma ocorrência de alta complexidade”, informa o ministério. (MP)

Cronograma

Condições já definidas para os leilões das BRs 262 e 381

Previsão:


Concessões podem ser feitas a partir do dia 25

Sistema rodoviário BR-381/262/MG/ES
Prazo: 30 anos
Extensão: 686,1 km
Investimento estimado: R$ 7,36 bilhões
Custos operacionais: R$ 6 bilhões
Taxa Interna de Retorno (TIR): 8,47%
Critério para o vencedor: menor tarifa e maior outorga como critério de desempate
Empregos: 108.568 diretos e indiretos
Objeto: exploração da infraestrutura e prestação de serviço público de recuperação, operação, manutenção, monitoração, conservação, melhorias e manutenção do nível de serviço
Praças de pedágio:11 previstas

Fonte: ANTT


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