Ainda faltam quase dez meses para as eleições, mas no deserto da política brasileira há muito pouco espaço para alguma esperança esclarecida. Nosso sistema político é um edifício em ruínas, que abriga homens sem imaginação e sem grandeza, onde, citando os versos de Yeats, o grande poeta irlandês, os melhores perderam toda a convicção, enquanto os piores estão cheios de uma intensidade apaixonada.
As instituições democráticas estão em crise em quase toda a parte, porque foram construídas para um ambiente social completamente diferente do que existe hoje. Até duas ou três décadas atrás, o fluxo das informações era centralizado. Existia uma base comum de fatos sobre a qual se formavam as opiniões. O essencial da discussão política estava na disputa de opiniões, não nos fatos em si. Os chamados fatos alternativos não tinham meios para circular e, geralmente, desapareciam logo ao nascer.
Hoje, todos tem seus próprios fatos e os meios para divulgá-los. Não há mais lugar para o diálogo entre opiniões, aquilo que constitui a essência do processo político. Neste sentido, não seria absurdo dizer que estamos nos aproximando do fim da política, tal como existe pelo menos desde a Grécia clássica. Esta seja, talvez, a natureza da transição em que estamos vivendo, quando o velho agoniza sem que o novo já esteja à vista.
Os dois grupos principais que parecem, pelo menos até agora, polarizar o processo eleitoral têm grande especialidade em manobrar neste ambiente de fatos alternativos, o que ameaça tornar as eleições um confronto entre fantasias e irrealidades. Ambos investem na manipulação da memória, procurando reescrever a história com silêncios e afirmações que se ajustem aos seus discursos. Nisto eles não inovam, pois todos os regimes totalitários do século XX tentaram a mesma coisa.
O governo Bolsonaro, conforme a maioria das pesquisas de opinião, tem a aprovação de menos de 25% da população, depois de três anos de mandato. É pouco provável que esses índices sejam revertidos para que, ao final, ele alcance uma maioria absoluta no segundo turno. Nosso Presidente é homem de ideias fixas e não mostra disposição de mudar o seu discurso, muito pelo contrário.
Se as pesquisas estão certas, o favorito para ganhar as eleições é Lula e o seu partido. Lula e o PT tem um passado e não é possível esquecê-lo. Há quem os prefira justamente por este passado, mas há quem possa julgar este passado imperdoável. Por isso tudo ele tem que vir à tona na sua pureza de fato histórico.
Em 1985 o PT se recusou a votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, que encerrava sem sangue o regime militar. O que queria o Partido naquele momento? Derrubar o regime pela força? Não, apenas deixar que os outros fizessem o trabalho impuro enquanto mantinha a santidade do discurso, já sabedores do desfecho. Nos dicionários, isto se chama hipocrisia.
Na votação do Plano Real, a bancada votou em peso para derrubar o plano, porque ele acabaria com a inflação e turbinaria a candidatura oficial à Presidência, quando as pesquisas davam a Lula 41% das intenções de voto. Se na pandemia Bolsonaro ficou do lado da doença, na luta final contra a inflação, Lula e o PT ficaram do lado da inflação, que os beneficiaria na luta pelo poder.
Na sua origem o PT foi o partido anti-corrupção, implacável com os adversários, quando ainda era oposição em toda a parte. No governo, comandava o país durante o maior episódio de corrupção já desvendado em toda a nossa história. Apesar dos erros dos processos judiciais, o fato é que o assalto à Petrobrás ocorreu de fato, conforme as provas e as confissões.
Em homenagem aos que desfrutam da liberdade que nasceu no Colégio Eleitoral, aos que se livraram da inflação que confiscava seus salários e aos que nunca se envolveram em tenebrosas transações, Lula e o PT precisam confessar o seu arrependimento e pedir perdão aos brasileiros. Sem isso, as eleições serão a escolha entre dois infortúnios. Os brasileiros não merecem.