“Vá cuidar da sua vida”. Este é o principal bordão do coach e influencer Pablo Marçal. Com mais de 2 milhões de seguidores no instagram, a rede social se tornou o principal canal de uma verdadeira “evangelização” de conceitos criados por ele mesmo. Imersão em inteligência emocional, reprogramação neurolinguística, ativação de identidade, desbloqueio cerebral e clarificação de propósito, são alguns deles.
Com 20 livros publicados, o autodeclarado mentor promete uma mudança de vida. Em seus perfis nas plataformas Linkedin, Instagram, Twitter e em seu próprio blog pessoal, no entanto, não há informações sobre sua formação acadêmica ou certificação profissional para aplicar tais métodos. Tão pouco há registro de seu nome na plataforma Lattes, sistema de currículos virtual do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conhecido pelos métodos para “subir na vida”, Marçal decidiu tirar o conceito das redes sociais e levá-lo para o alto, literalmente. Como parte de seu novo programa de aconselhamento, “O pior ano de sua vida”, o coach conduziu um grupo de 67 pessoas ao Pico dos Marins, localizado a 2.420 metros acima do nível do mar, na Serra da Mantiqueira em São Paulo.
O caminho para o sucesso, segundo ele, não é fácil e exige “sangue, suor, lágrima e gordura”. Parte do processo seria, portanto, alcançar o cume de uma das montanhas mais altas do Brasil. O lema acabou sendo seguido em sua integralidade, já que metade do grupo precisou ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros. A outra metade desistiu durante a subida.
O Corpo de Bombeiros atribuiu o desastre da expedição à falta de treinamento de Marçal, líder do grupo, para guiar em ambientes como o da Serra da Mantiqueira e o desrespeito às condições climáticas - previstas e alertadas pela Defesa Civil para a data. “Falta de responsabilidade”, definiu o porta-voz do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), tenente Pedro Aihara.
“Há situações que são evitáveis. Uma situação como aquela é recorrente de falta de planejamento e falta de observação de regras de segurança”, completou o tenente, em entrevista ao Estado de Minas.
O caso, amplamente comentado e difundido nas redes sociais, sofreu duras críticas de praticantes de montanhismo e guias profissionais de montanha. Durante o verão, a ascensão ao Pico dos Marins é altamente desaconselhável, justamente pela variação climática e tempestades. “Não é uma região indicada para iniciantes”, enfatiza Aihara.
"O pior ano da sua vida"
Ao clicar no link disponível no perfil de Marçal no instagram, uma frase de efeito toma a tela do celular: “Aqui não tem nada que o seu corpo quer, mas tudo que sua alma precisa”. Este é um dos lemas do programa de aconselhamento, vendido pelo mentor, por 12 parcelas de R$ 299,70.
No site oficial, na aba de "dúvidas frequentes”, quando questionado se o curso possui certificado do Ministério da Educação (MEC), ele responde: “Seu certificado serão seus resultados assustadores em um curto espaço de tempo”.
“Não vai ser fácil, não vai ser confortável e nem algo 'animado' de se fazer. Mas eu prefiro que você sofra a dor do desconforto por um curto período da vida para não sofrer essa dor de arrependimento uma vida toda!”, descreve o mentor.
Com base nestes conceitos, Marçal levou o grupo a campo para exemplificar, na prática, suas teorias. Toda a expedição foi filmada e publicada em seu perfil. Nas imagens se nota a falta de equipamento do grupo. Em um dos vídeos, o mentor questiona um dos integrantes: “O que está mais pesado, a mochila ou a sua mente?”.
Carlos Moura, guia de montanha há 10 anos e dono da Mantiex, empresa especialista em trilhas na Serra da Mantiqueira, acredita que a montanha pode ser uma ferramenta de desenvolvimento pessoal, desde que encarada com respeito. “Nem tudo é emocional. Controlar as forças da natureza, por exemplo, está fora do nosso alcance”, explica.
“Ele misturou as coisas, excesso de confiança, ignorância, imperícia e imprudência. Um pouquinho de cada um”, continua Moura. Experiente em expedições ao Pico dos Marins, ele explica: “Onde o grupo estava, a temperatura cai rapidamente, chegando próximas ou abaixo dos 0ºC e, com isso, a visibilidade cai drasticamente. Por sorte, a tempestade que surpreendeu o grupo do Pablo não tinha descarga elétrica, senão o desfecho poderia ter sido realmente catastrófico”.
Nas redes sociais, Marçal chegou a definir o resgate do grupo como uma medida de “precaução”. O tenente do CBMMG, Pedro Aihara, esclarece: “Não existe acionamento por precaução. O Corpo de Bombeiros é um serviço de urgência e emergência, e só pode ser acionado nesses casos”.
“A chamada foi muito clara, eles estavam perdidos, sem equipamento, em uma situação extremamente complicada de chuva e não conseguiam sair sozinhos”, afirma. Segundo a equipe que trabalhou na operação, os integrantes do grupo corriam sério risco de morrer de hipotermia.
Pico dos Marins
Um dos ícones do montanhismo brasileiro, o Pico dos Marins é destino de milhares de turistas e praticantes de esportes de montanha. O local, conhecido pela sua exuberância, entretanto, requer atenção e cuidado daqueles que desejam chegar ao cume e voltar em segurança.
Pela altitude e exposição, acampar em seu cume pode ser extremamente perigoso sem um conhecimento técnico. “A temperatura pode ser muito baixa, principalmente a sensação térmica. Os ventos são muito fortes pelo tipo de formação do pico, então temos corredores de vento. Para entrar em uma situação de hipotermia é relativamente fácil se ele não estiver preparado para isto”, explica o tenente.
“Temos temporadas que são contra indicadas para a prática de montanhismo”, afirma Aihara. A alta temporada para trilhas na Serra da Mantiqueira é entre os meses de abril e setembro. O tenente recomenda, ainda, que as ascensões sejam realizadas sempre com um guia profissional “capacitado para selecionar um trajeto que seja compatível com a sua condição física e condicionamento”.
Outro lado
A reportagem procurou Pablo Marçal para um posicionamento, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.