Coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismoa (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), o professor Daniel Hirata tenta entender a ocupação policial das comunidades do Jacarezinho, na zona norte, e da Muzema e favelas próximas, na zona oeste do Rio, na última quarta-feira, 19. A ação fez parte do Programa Cidade Integrada, sucessor do fracassado projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) lançado no governo Sergio Cabral (2007-2014).
No sábado, 22, o governador apresentou o novo programa, dividido em seis eixos de ação nas áreas social, de infraestrutura, de governança, de economia, transparência e segurança. A principal ideia é ajudar a população carente e enfraquecer as atividades econômicas atualmente dominadas por traficantes e milicianos. São R$ 500 milhões para investimentos em seis comunidades.
O que o senhor achou do projeto?
Em primeiro lugar, me parece que são muitas ações, ações importantes, mas apenas em dois lugares. Qual o impacto disso para o conjunto da cidade, da Região Metropolitana e do Estado? Não seria decisivo pensar sobre o conjunto para atuar em áreas específicas? Porque um dos problemas marcantes das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) foi justamente a migração de grupos armados das comunidades ocupadas para outras regiões onde não havia crime organizado. Ações pontuais têm um efeito de chamar a atenção da população, da opinião pública, mas são perigosas porque podem produzir efeitos deletérios.
Por que esses lugares são estratégicos?
A justificativa da escolha dos lugares é vaga. Uma resposta à chacina do Jacarezinho e à necessidade de atuar em áreas de milícia. Sem dúvida que são questões importantes e que merecem atenção e ações do governo. Mas essa escolha, para este projeto, me parece, deveria ter sido pensada do ponto de vista das estruturas das organizações criminais e, como disse, do impacto de conjunto.
O que mais chamou a sua atenção?
Pelo que pude acompanhar das falas do governador, esses locais foram escolhidos para equilibrar áreas de controle territorial do tráfico e da milícia. Ok, essa parece uma explicação razoável, mas é insuficiente como justificativa para a escolha desses lugares. Outro problema é que não foi detalhado como será o processo de ocupação, que é a preocupação do ponto de vista das possíveis violações dos direitos humanos. De fato, o trabalho das polícias não foi explicitado, como vai enfrentar concretamente os desafios postos? Como trabalhar as especificidades do tráfico de drogas e das milícias? Como garantir os direitos dos moradores? Por fim, a interlocução com os moradores e organizações do território. Várias vezes foi dito que este é o centro do projeto. Mas isso não foi feito até agora. E tem que ver como será no futuro essa articulação
Apesar de todas essas questões, o senhor acha que o projeto pode funcionar?
Quero ler o projeto com atenção. Mas, à primeira vista, a gente já sabe que uma ocupação policial não é a forma mais eficiente de se combater as bases políticas e econômicas (do tráfico e/ou da milícia), nem mesmo para o enfrentamento dos grupos armados. Os comerciantes não vão parar de pagar para poder trabalhar porque o território está ocupado. As ligações perigosas de milicianos com agentes do estado e representantes políticos não vão deixar de acontecer. Ou seja, a questão central para a área de segurança do Rio, os grupos armados, não é frontalmente encarada em ações desse tipo.
Poucas pessoas foram presas na ocupação do Jacarezinho, embora houvesse mais de 40 mandados expedidos...
Na quarta-feira, pela manhã, todo o pessoal do tráfico já tinha saído do Jacarezinho, a informação vazou. Enquanto isso, as lideranças comunitárias estavam preocupadas, porque a comunidade já estava toda cercada e ninguém sabia o que ia acontecer. A memória e o sangue da chacina do ano passado ainda estavam muito frescos. E eles começaram a entrar em contato com a Defensoria, com o MP. O MP sabia que haveria uma operação, mas não data ou horário. A Defensoria não sabia de nada. A sociedade civil não tinha sido informada, tampouco as lideranças comunitárias. Ou seja, só os traficantes sabiam da ocupação, porque fugiram antes que acontecesse.
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