A vacinação de meninos e meninas de 5 a 11 anos, cuja recomendação foi dada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é endossada por várias entidades médicas e científicas, é uma ação urgente, pois, desde que a pandemia explodiu, sabe-se que crianças são vetores da covid-19. Para Dilene Raimundo do Nascimento, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e organizadora do livro A História da Poliomielite — doença que foi motivo de grande discussão 70 anos atrás, até que, em 1960 e 1961, o Ministério da Saúde de então promoveu uma aplicação em massa com os fármacos desenvolvidos pelos pesquisadores Jonas Salk e Albert Sabin —, qualquer empecilho que se coloque à imunização de menores não passa de manobra protelatória.
Ela insiste em algo que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fingem desconhecer: a vacinação é uma medida de saúde pública com efeito individual e coletivo. "O efeito individual reduz o número de mortes e a necessidade de internação. O benefício coletivo se dá pelo fato de a vacinação reduzir a transmissão do vírus para outras pessoas", destacou a especialista. Leia a seguir os principais pontos da entrevista ao Correio:
Como a senhora analisa essa discussão, promovida pelo ministro Marcelo Queiroga, de que é necessário consulta pública para a adoção da vacina para menores entre 5 e 11 anos? E mais: de que a decisão da vacinação das crianças seja feita mediante prescrição médica?
As crianças não têm autonomia. Então, os pais precisam estar convencidos de que a vacina é necessária para seus filhos. Quanto à consulta pública, nunca houve isso antes. O Programa Nacional de Imunização (PNI) ampliou o número de vacinas que estão à disposição da população e, em nenhum momento, houve consulta pública ou necessidade de prescrição médica. Na minha opinião, isso é só para postergar a ação do Ministério da Saúde, responsável pela política pública de saúde e execução da vacinação no Brasil.
A recomendação da Anvisa já seria suficiente para autorizar a vacinação?
A Anvisa tem um corpo técnico competente e sério. A autorização da Anvisa não requer consulta a outros técnicos. Se a Anvisa deu o aval, isso significa que a vacina é eficaz e segura. Não deve restar dúvidas. Apesar disso, o governo resiste em dar início à vacinação infantil. O governo federal afirmou que iria decidir no dia 5 de janeiro sobre a vacinação de crianças "porque a pressa é inimiga da perfeição". Esse ditado não se aplica a uma campanha de vacinação na vigência de uma pandemia. Se fosse possível aplicar isso, não teríamos mais de 600 mil brasileiros mortos. A vacina teria sido comprada lá atrás, quando já estava disponível, e a gente teria evitado muitas mortes de adultos por covid-19.
Por que campanhas de vacinação como a da poliomielite, mais de cinco décadas atrás, foram bem sucedidas, e a da covid está envolta em polêmicas?
O PNI foi criado em 1973, erradicou a varíola em 1979 e a poliomielite, em 1994. Isso criou na população brasileira uma cultura de vacinação. Não é por questões culturais que o brasileiro não está indo se vacinar. Mas, quando ele ouve, da pessoa que ocupa o cargo público mais alto no país, que a vacina pode fazer você virar jacaré, isso provoca na população uma hesitação.
Qual a forma correta de lidar com pais que decidem não vacinar seus filhos? Vale a pena puni-los de alguma forma?
Não é punindo que se resolve, mas convencendo a população da importância da vacina, além de sua eficácia e segurança. Ela evita que os filhos fiquem doentes e venham a óbito. Já houve época em que os pais só conseguiam emprego se apresentassem a carteira de vacinação dos seus filhos em dia. Mas a educação em saúde mudou e a filosofia se tornou a de convencer sobre a importância da imunização.
Como seria a campanha ideal de vacinação?
A campanha ideal é aquela em que todos se envolvem. Desde as instituições de saúde, médicas e científicas, passando pelos governos federal, municipal e estadual. Além disso, é necessário um esforço da sociedade — o comprometimento de todos é ideal. Não é uma parte ou outra da sociedade, mas todos, principalmente o governo federal, que é quem tem os maiores poderes para adquirir insumos, vacinas e realizar as campanhas de divulgação.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
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