O número de vítimas das enchentes na Bahia subiu para 21, de acordo com dados divulgados, ontem, pela Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec). Além disso, foram contabilizados 34.163 desabrigados, enquanto os desalojados são 42.929. O estado enfrenta o maior acumulado de chuvas para dezembro nos últimos 32 anos. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Itamaraju, no sul da Bahia, foi o município onde mais choveu no Brasil este mês, com 769,8mm, o que representa mais que o quíntuplo da sua climatologia de dezembro (148,0mm).
A 21ª primeira vítima das chuvas é um jovem de 19 anos, que tentou atravessar uma enxurrada em Ilhéus, na noite de segunda-feira, e acabou se afogando. É o segundo óbito registrado em Ilhéus. O número de afetados pelas fortes chuvas subiu para 471.786 pessoas, e o de feridos se manteve estável, em 358. A quantidade de cidades em estado de emergência também aumentou: agora são 136.
O governo do estado da Bahia afirma que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) mantém, desde a última sexta-feira, véspera de Natal, esforços para amenizar os estragos causados pelas fortes chuvas no interior do estado, realizando vistorias técnicas com sua equipe de fiscalização e monitoramento ambiental, nos municípios do sul, extremo sul e sudoeste, com o objetivo de verificar os impactos nas barragens.
Foi constatado, durante as vistorias realizadas no local, barragens irregulares que se romperam no interior do estado, a exemplo de Iguá, Jussiape e Quati. Ações de intervenções emergenciais foram realizadas, em conjunto com a Superintendência de Proteção e Defesa Civil do Estado (Sudec), Corpo de Bombeiros (CBMBA) e prefeituras locais, a fim de evitar impactos para a comunidade local.
Os ministros João Roma (Cidadania), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Marcelo Queiroga (Saúde), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e o governador do estado da Bahia, Rui Costa, realizaram, ontem, entrevista coletiva para anunciar esforços do governo federal com o intuito de ajudar as famílias atingidas. Além disso, sobrevoaram as áreas mais afetadas pelas chuvas e enchentes.
Queiroga anunciou, na coletiva, a publicação de uma portaria que determina o repasse de R$ 12 milhões do Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais. E disse que a Saúde irá reforçar a cobertura vacinal da gripe. Para isso, serão enviadas 100 mil doses de imunizantes, bem como vacinas para hepatite. Por fim, ele assegurou que médicos da Força Nacional de Saúde serão enviados para ajudar na cobertura emergencial e na atenção primária.
"Gostaria de registrar a nossa solidariedade em função desta tragédia, que tem trazido tanto sofrimento. O Ministério da Saúde está em absoluta solidariedade para ajudar o estado da Bahia. O presidente Bolsonaro me ligou e pediu para que houvesse esforço para auxiliar todo o povo da Bahia", disse.
A ministra Damares anunciou que a pasta irá atuar junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF) para prevenir os desaparecimentos e garantir o direito das crianças em meio aos estragos provocados pelas chuvas.
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Reconstrução
Também na entrevista coletiva, o governador Rui Costa afirmou que o estado atravessa "o maior desastre natural da história". Segundo ele, ainda não é possível dizer quando começará a reconstrução das áreas destruídas pelas enchentes que atingem o estado este mês.
O governador explicou que a reconstrução de casas não será possível em áreas de risco, próximas a rios ou em terrenos propensos a deslizamentos. De acordo com ele, a prioridade das obras serão pontes e estradas essenciais que ligam os municípios a outras regiões e que estejam em locais de mais fácil acesso. "Agora que a água começa a baixar, a gente vê o estrago que foi feito em casas de pessoas simples, que fizeram um esforço danado para erguê-las", lamentou Rui Costa.
Por fim, fez um apelo para que o estado seja prioridade na distribuição de verbas. "Não é possível recuperar as estradas federais com R$ 80 milhões destinados ao Nordeste. R$ 80 milhões não dá para recuperar nem (as estradas federais) da Bahia", pontuou.
Repasse insuficiente
O governo federal anunciou, ontem, repasse de R$ 200 milhões para as ações de enfrentamento ao estragos causados pela chuva na Bahia. Para o senador Jaques Wagner (PT-BA), presidente da Comissão do Meio Ambiente no Senado e que está à frente da força-tarefa junto com o governador do estado, o valor será insuficiente para todos os estragos no local.
Ele explicou que não descarta a possibilidade de convocação de emergência para uma votação de projeto de lei ou medida provisória para destinar auxílio às vítimas das chuvas. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, já sinalizou disponibilidade para ajudar.
"Falei com ele que o que mais necessitamos era saber se o Senado tem orçamento que possa ser liberado para ajudar na recuperação (...) o Congresso, na verdade, está em recesso, mas sempre mantém uma comissão permanente, mesmo que seja feita a convocação via virtual. Tenho certeza de que as pessoas atenderão se for essa a motivação", disse Jaques Wagner.
Ainda é possível fazer doações. As prefeituras das cidades afetadas pelas chuvas criaram campanhas de arrecadação para ajudar as famílias atingidas. Entre elas estão Itabuna, Mutuípe, Jequié e Itambé. Instituições privadas e públicas também se mobilizaram para arrecadar donativos para as vítimas dos temporais no estado. O Corpo de Bombeiros Militar da Bahia (CBMBA) está arrecadando donativos para as vítimas das chuvas em todo o estado e as doações serão recolhidas em todos os quartéis.
Desvios e tristezas até Ilhéus
Ilhéus. No caminho de Brasília à cidade de Ilhéus, há estradas interditadas, desvios e relatos de quem está ajudando quem perdeu tudo. Em Jequié, cidade margeada pelo Rio Preto e represada pelo Médio Rio de Contas, onde está localizada a Barragem de Pedras, que teve suas seis comportas abertas nos últimos dias, o grande volume de água fez com que a parte baixa da cidade fosse inteiramente alagada. O engenheiro Júlio Cesar Almeida, 26 anos, morador da cidade, afirmou que as chuvas mais fortes ocorreram na madrugada de Natal e seguiram até o dia seguinte.
Ele lembrou que, desde novembro, choveu direto por 45 dias. Por isso, o volume de água foi muito grande. "Foi uma situação drástica. O governo não olhou nem deu um aviso sobre as chuvas. Foi rápido demais, choveu cerca de 30 horas seguidas e um volume grande. Pegou todo mundo de surpresa", explicou.
"A minha casa já é na parte alta da cidade, mas saímos de casa todo mundo da família porque é uma situação de ajudar quem perdeu tudo. Cidade pequena, todo mundo se conhece. Fui ajudar alguns amigos. Um deles disse que foi rápido. Acordou cerca de 6h, e a água já estava dentro da casa. Ele disse que só deu tempo de levantar a geladeira, o restante perdeu tudo, cama, guarda-roupa, roupa. Deixaram tudo lá, levantaram a geladeira e saíram de casa. Moram três pessoas com ele", contou.
Ao passar pela cidade, ontem, era possível ver que as ruas ainda estavam sujas de um barro alaranjado, e o rio estava agitado e cheio, mas não transbordava mais na ponte. Havia trechos em obras em Jequié, que, com as chuvas mais recentes, escorriam lama. Na saída da BA-558, no entroncamento da BR-330 com Itajuru, ontem, uma cratera se formou na via. Uma escavadeira e um caminhão da prefeitura estavam no local para fazer a limpeza. Uma fila de carros se formou rapidamente e dois guardas estavam organizando as liberações dos veículos aos poucos, o que ocasionou um engarrafamento rápido. Outros dois desvios foram feitos em seguida — um em Ubatã, devido ao rompimento no asfalto, de uma ponta à outra, o novo caminho levava a um bairro do município, e no trecho final, na BA-415, que liga Itabuna a Ilhéus.
Falta informação
No sentido Brasília-Ilhéus, o primeiro desvio podia ser visto ontem ao chegar a Correntina. Na segunda-feira, em um posto de gasolina do local, o frentista avisou que não estava passando ninguém pela BR-349, que seguia para São Jesus da Lapa. O motivo foi uma abertura no asfalto entre São Felix e a próxima cidade, pela água do rio. A correnteza era forte ao ponto de criar um redemoinho dentro da fissura. Como a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) ainda não tinha atualizado seu boletim diário, o desvio deveria ser feito para a BR-242, ou seja, duas horas a mais de trajeto.
As chuvas não cessam, e as mudanças nos trechos acontecem de forma acelerada. O único jeito de garantir a informação é se comunicar com pessoas que já passaram pelos mesmos locais. "Temos que parar o tempo todo em postos e nos informar com os outros motoristas. As estradas estão mudando a todo momento, corre o risco de seguirmos por um caminho e ele não estar bom", comentou Lucas Rodrigues, 26 anos, que saiu de Brasília. Mesmo com o delay na comunicação oficial, a Seinfra já contabilizou 40 trechos em monitoramento.
Sem informações oficiais, os desvios na estrada provocam insegurança nos viajantes. Chegando a Ibotirama, chove bastante. Por isso, novamente, é preciso se informar. A frentista Maria Eunice de Almeida, 49 anos, que trabalha em postos de gasolina do Grupo Jaguar, afirmou ser arriscado seguir viagem.
"Fui por aqui, entrei em Paramirim e fui até Beira Rio. A estrada é melhor para vocês que vão para Ilhéus, eu passei hoje e está muito boa. Está bem limpinho", disse na segunda-feira. Ao seguir os comandos da frentista, mais estrada. Duas horas depois, há impedimento na estrada: uma carreta de carnes estava tombada desde a noite anterior (domingo) e era retirada porque as chuvas tinham dado uma trégua. Eunice já havia alertado. "Tem bastante acidente (nas estradas com chuva). Hoje mesmo, teve acidente mais para cá de Caturama, com um bauzinho, esses caminhões que têm baú", contou.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro