Ah, o espírito natalino! Tempo de confraternização, agradecimentos e muita espiritualidade, certo? Errado. Por mais que todos tentem passar a “imagem perfeita” de uma reunião de fim de ano no Instagram, a grande verdade é que o período tem sim seus momentos de estresse.
E talvez, o dia mais delicado para milhares de famílias ao longo do país — e talvez do mundo — seja a ceia de Natal. Entre o tio bolsonarista, a nora lulista, o primo antivacina e o irmão médico, a mesa do jantar pode se tornar um verdadeiro octógono de palavras e alfinetadas (isso sem contar todas as brigas e mágoas que correm na história da família, e nem dependem de posições políticas, ou de atualidades).
Vamos ser honestos: longe das redes sociais, a realidade da convivência familiar nem sempre é perfeita. E melhor do que fazer a linha esquecimento entre o Natal e a virada de ano e carregar toda a raiva de algum parente para o dezembro de 2022, o certo é encarar o problema de frente e tentar manter a reunião familiar em paz.
Para isto, o Correio conversou com especialistas para tentar achar um caminho em comum para uma ceia apaziguada. Afinal, se tem uma coisa que aprendemos nos últimos dois anos é dar valor a estes pequenos momentos de união.
Clareza, clareza e mais clareza
Umas das principais dúvidas sobre o tema é como proceder caso, entre os convidados da reunião de fim de ano, exista dois parentes que não tem uma boa relação. Segundo os psicólogos, Kleuton Izidio e Kassiana Pozzatti — do Instituto de Psicologia Kassiana Pozzatti —, um bom primeiro passo pode ser a clareza sobre o encontro e a relação dos dois convidados.
“Quando se trata de reunir pessoas que vivem algum tipo de litígio, tem que primeiro avaliar que litígio é esse. É necessário conversar com os envolvidos e verificar como eles se sentem, diante da possibilidade dessa reunião acontecer. O anfitrião precisa dizer claramente que o desafeto estará presente no evento e deve perguntar como a outra parte se sente a respeito e como pretende agir. É importante deixar claro para eles quais são as condições, quem são os envolvidos, quem estará presente na festa e quanto e como cada um se sente diante dessa circunstância e o que cada um está disposto a fazer para que se tenha uma boa reunião familiar”, indica Izidio.
“Sempre em família haverá membros que não se dão muito bem. Tudo vai depender do nível de animosidade entre as partes. Se for algo insustentável, que eles não possam se olhar, aí convém não convidar uma das partes e deixar claro o motivo do porquê ele está sendo excluído da festa. Obviamente ele vai ficar chateado, e vai achar que tomaram um partido de um ao invés do outro, porém é uma maneira de não estragar a noite de todos os presentes. Porém, se a situação não chega a esse extremo, se eles só se alfinetam, existe a possibilidade de colocar esses dois membros em mesas bem distantes. Isso claro, se o local for grande”, completa Kassiana.
Não é censura!
Ainda na linha da clareza, ambos os psicólogos respondem sobre a importância de se conversar com os familiares, antes da ceia, para indicar — com exatidão — a necessidade de cada um segurar a própria onda. É o manifesto da boa convivência.
“Muitas pessoas, por conta da pandemia, ficaram sem o convívio social, que estamos retomando agora, lentamente. Porém, durante o isolamento, algumas aumentaram a ingestão de bebidas alcoólicas, excessivamente. Enquanto estavam em casa, com seu núcleo, tudo bem; porém ao expandir esse convívio, esse hábito e suas consequências podem não ser muito bem aceito pelos demais membros da família, ou pelos amigos. Isso aliado à intolerância — que aumentou muito durante esse período pandêmico — pode ser uma combinação desagradável! Então, fazer esse contrato de boa convivência é fundamental! E cada grupo sabe o que faísca”, explica Kassiana.
A ideia de Izidio vai ainda na reflexão sobre a razão desta reunião de fim de ano. “Não é uma censura... A questão é: com qual objetivo as pessoas estão se reunindo no Natal? É para discutir política, para discutir as próximas eleições? É importante lembrar que existem conflitos e feridas familiares que se valem dessas questões circunstanciais como política e outras questões ideológicas que permeiam os conflitos atuais, para fustigar e cutucar o outro, mas este não é o objetivo das festas de fim de ano”.
Temas polêmicos
Geralmente um assunto é categorizado como “polêmico” exatamente pela dificuldade em si definir uma unanimidade acerca do tema. Política é a mãe destes tópicos. Entre tantas acusações e exemplos, é quase impossível fazer todo mundo concordar sobre a “melhor” política. Para tentar limitar os estragos que uma briga a cerca de política pode causar na ceia de Natal, Kassiana tem duas importantes dicas.
Se o clima realmente esquentar em casa por conta disto, a psicologa sugere o veto dos tópicos antes mesmo da reunião: “Alguns temas como política, futebol, religião e questões de gênero têm sido os assuntos que mais causam discórdia, não só entre membros da família, mas entre amigos de modo geral. Uma coisa que pode ajudar é quando fizer o convite já deixar claro as regras do evento: não poderemos tratar de tais e tais assuntos e manteremos o bom senso do começo ao fim, caso o contrário, você será convidado a se retirar da festa. Não existe regras para um grupo do Whatsapp? Então, basta estabelecer essa mesma filosofia para os eventos”.
“Outra dica: reforce as regras durante a festa. Deixe sobre as mesas recadinhos como: 'este ambiente é livre de assuntos polêmicos'. Aproveite para usar a imaginação. Coloque na bandejinha do banheiro, nos guardanapos, marcadores de copos: 'evite polêmicas, aproveite a festa'. 'Faz tanto tempo que não nos vemos, vamos celebrar'! E por aí vai... É simpático, é educado e ainda fica bonitinho com a decoração”, acrescenta.
A vaca foi pro brejo
Mesmo com os vetos de assuntos polêmicos, a natureza familiar é delicada. Caso uma discussão, ou até mesmo uma briga, acabe rolando durante a reunião de fim de ano, o papel do anfitrião é de fundamental importância para retomar o controle da festa e não deixar que o Natal seja arruinado.
“O anfitrião precisa esclarecer que está se esforçando para realizar uma noite agradável e deve perguntar como os desafetos podem contribuir com isso. Ou seja, responsabilizar as partes envolvidas naquele tipo de tensão para que o engajamento de todos seja de promover uma noite tranquila”, pontua Izidio.
“Mais que um observador, o anfitrião tem que ser paciente, muito diplomático e extremamente firme para dar o basta em determinadas situações, porém sem nunca perder a elegância e a educação. Então, a casa que recebe os convidados para festa não deve ser escolhida apenas pelo tamanho — porque é grande e consegue abrigar a todos — deve ser aquela cujo membro familiar transita melhor entre todos os núcleos. Quando esse anfitrião é considerado querido pela grande maioria, é mais tranquilo para que a festa ocorra em harmonia, pois ninguém quer chatear o 'gente boa' da família”, sugere Kassiana.
A especialista ainda aponta outra sugestão: “Dica importante para o anfitrião: tenha sempre seus anjos da guarda! Aquelas pessoas que você sabe que são ponderadas, equilibradas e que permanecerão íntegras durante todo o evento e que poderão lhe ajudar na hora de apaziguar os ânimos”.
Por fim, se nada ajudar, vale tentar a playlist de Natal da Mariah Carey: