Ciência

Capes sofre nova debandada; 114 pesquisadores já pediram demissão

Instituição responsável por avaliar a qualidade dos cursos de pós-graduação e controlar a concessão de bolsa enfrenta fuga de profissionais ligados à área de exatas. Eles denunciam um descaso da atual gestão em relação à pesquisa científica

Mais 34 pesquisadores da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior) — três coordenadores e 31 consultores — renunciaram a seus cargos na noite de terça-feira (7/12). Eles integravam a área de Engenharia. Desde o fim de novembro, 114 pesquisadores requisitaram afastamento do órgão. As áreas afetadas fazem parte do Colégio de Exatas da instituição.

Além de profissionais da engenharia, também pediram dispensa pesquisadores das áreas de matemática/probabilidade, estatística, química e astronomia/física. Nas cartas redigidas com anúncio de desligamento, os envolvidos criticaram a liderança da instituição, presidida deste ano pela reitora do Centro Universitário de Bauru, Claudia Mansani Queda de Toledo.

Entre as queixas relatadas estão a pressão para acelerar abertura de novos cursos e aprovar programas a distância — modelo de ensino que ainda causa desconfiança entre especialistas —, além de descaso da agência para com a retomada dos processos de avaliação, definida na última quinta-feira (2).

"Vítima de narrativas"

Em nota, a Capes alegou que tem sido “vítima de narrativas que omitem fatos ou lhes dão conotação que não correspondem à realidade”. O órgão afirmou que os questionamentos aos trabalhos desenvolvidos ocorrem desde 2018 pelo Ministério Público Federal. “Não se trata de um fato gerado na atual gestão”, informou a nota da Capes.

Ligada ao Ministério da Educação, a Capes é a divisão do governo federal que trata da pós-graduação. A cada quatro anos, para determinar a qualidade dos cursos de pós do país, é feita uma análise com base em áreas de pesquisa. A Capes atribui notas até 7. Os cursos com nota inferior a 3 podem levar a um descredenciamento. A classificação impacta também na quantidade de bolsas de pesquisa concedidas.

Os coordenadores das áreas são indicados pela comunidade científica e nomeados para mandatos com duração de quatro anos. Eles são responsáveis por indicar os consultores, que, embora não sejam servidores do órgão, são de grande importância para o processo avaliativo tocado pela agência.

Uma das preocupações dos profissionais é a perspectiva de que os mandatos atuais, cuja vigência está prevista até abril, terminem antes do fim do período de avaliações. A Capes, no entanto, afirmou estar disposta a estender o tempo de serviço conforme cronograma do CTC (Conselho Técnico-Científico), que propõe grupos com menos pesquisadores.

"É o desmonte"

“É o desmonte de uma rede de colaboração entre as universidades e a Capes. A chegada dos pesquisadores a esses postos não se dá por acaso, mas pelo acúmulo de experiência em relação à própria área”, lamenta Anderson da Mata, professor do Departamento de Teoria Literária da UnB e ex-bolsista da Capes. O docente explica que, como são poucos os pesquisadores aptos a assumir cargos de coordenação, remontar a rede é uma tarefa “praticamente impossível”.

Segundo Anderson da Mata, a saída de profissionais na instituição tornará inviável ou, mais provavelmente, ineficaz, o processo de avaliação dos programas de pós-graduação já existentes ou de credenciamento de novos programas. “É provável que, como em tudo nessa gestão, sejam nomeados outros coordenadores, por laços afinidade com os atuais dirigentes da Capes e do MEC — seja pela ideologia, seja pela mediocridade”, opina o professor.

Renato Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp e coordenador do Grupo de Estudos em Educação Superior, explica que a agência ajuda a manter a pesquisa científica nas instituições do país. “A Capes é a principal fonte de financiamento para bolsas de estudos em pós-graduação, e a pós está intimamente relacionada com a pesquisa e com a produção científica. No caso do Brasil, até mais do que em outros lugares, porque a avaliação da Capes estimula o sistema”, diz.

Investigação no TCU e MP

Em ação conjunta com o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público Federal pretende investigar as motivações por trás das sucessivas cartas de renúncia, assim como os possíveis desdobramentos da  debandada na qualidade da avaliação dos cursos de pós-graduação no país.

Para Renato Pedrosa, o esvaziamento da Capes pode provocar uma significativa queda na produção de conhecimento no Brasil: “Nós ainda não vimos o impacto da queda do investimento em pesquisa dos últimos anos, justamente porque o sistema de pós-graduação é majoritariamente financiado pela Capes. Com esse esvaziamento, pode ser que as coisas mudem”, avaliou.

* Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza