Pacientes com sintomas gripais lotaram unidades de pronto-atendimento (UPAs) de Belo Horizonte ontem à espera de consultas, parte deles contrariando as orientações da prefeitura, que recomendou que pessoas que apresentassem quadros leves se dirigissem aos centros de saúde de seus bairros. O objetivo da recomendação é diminuir a demanda nas UPAs, estruturas destinadas às urgências. (Leia texto nesta página.) Alguns centros de saúde também apresentavam filas na manhã de ontem. Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) reconheceu aumento na procura por atendimento, especialmente de pacientes com sintomas respiratórios e casos crônicos agudizados, e informou que mantém ativo um banco de currículos para contratação imediata de médicos. Os interessados devem acessar o site da PBH – www.pbh.gov.br – para se cadastrar. O comunicado esclarece que os usuários com sintomas gripais atendidos tanto nos centros de saúde quanto nas UPAs são submetidos a teste rápido de antígeno para COVID-19 na própria unidade, o que auxilia no diagnóstico diferencial.
Na Unidade de Pronto-Atendimento do Barreiro, que se encontrava lotada por volta do meio-dia, a maior parte das pessoas já estava com pulseiras laranja e verde (suspeita de COVID-19, segundo os próprios pacientes) e aguardavam nos jardins e áreas externas. A cabeleireira Isabel Cristina Ribeiro, de 35 anos, acompanhava a mecânica Ana Carolina Oliveira Lira, de 24. Com febre, dores pelo corpo e mal-estar, Ana Carolina estava deitada no gramado na entrada da unidade, "por não conseguir ficar de pé." Elas chegaram à UPA Barreiro às 6h; às 7h, já haviam passado pela triagem, mas até as 12h40 ainda não tinham sido atendidas pelo serviço médico.
O tempo de espera não foi problema para o professor Gabriel Martins, de 27, que acessou a UPA Centro-Sul, na Região Hospitalar, depois de muita febre durante a noite, tosse e peito cheio. "Chegamos aqui às 8h e, agora, às 10h30, já fiz todos os exames e recebi alta para me tratar em casa. Segundo o médico, trata-se de uma virose", explicou.
Porteiro e mecânico, Ernani Neves Júnior, de 41, aguardava atendimento na porta da UPA Leste. Morador do Bairro São Geraldo, ele contou que passou o domingo com muitas dores e congestionamento nasal, mas estava no trabalho e não procurou equipes de saúde. Durante a noite, passou muito mal, com febre alta. Chegou às 8h, em 15 minutos passou pela triagem e aguardava consulta médica havia duas horas e meia.
A situação em alguns centros de saúde era menos sofrida. No CS Alcides Luís, no Bairro Concórdia, a fila era mesmo para tomar vacina contra a COVID-19. Na ala de consultas, a maioria das pessoas que esperava era para atendimento pré-agendado. Alguns poucos com sintomas gripais leves. Uma mulher que pediu para não ser identificada chegou à unidade às 10h30 e foi orientada a retornar às 13h. "Como fica próximo, vou pra casa e volto no horário marcado."
No CS Cachoeirinha, Região Nordeste, Mariana de Souza Brás, de 46, cozinheira, e Pâmela da Cruz Macêdo, de 33, técnica em enfermagem, aguardavam atendimento, ambas com dores de cabeça e pelo corpo, além de febre. Maria disse que recorreu à UPA do Odilon Beherens no sábado, mas desistiu de se consultar "porque estava lotada". Como piorou, seguiu a orientação da prefeitura e foi ao centro de saúde, onde já tem cadastro. Já Pâmela, que disse ter tomado as doses da vacina de COVID-19, queixava-se de dores no peito, ouvido, costas e garganta e resolveu ir direto ao CS.
Para o metalúrgico aposentado José Felício de Souza, de 72, o atendimento prioritário não foi prejudicado pela superlotação na UPA Noroeste II (Odilon Behrens), na Lagoinha. Acompanhado do filho, o pedreiro José Carlos Felício, de 51, ele disse que chegou por volta das 7h, com dores no peito, foi prontamente atendido e às 10h30 já tinha feito os exames, sido medicado e retornava para sua casa, no Bairro Letícia, Região de Venda Nova. "Preferimos nos deslocar pra cá porque achamos o atendimento aqui mais rápido e melhor", contou o filho de José Felício.
CLASSIFICAÇÃO
A Prefeitura de BH disse que as unidades de pronto-atendimento contam com área específica para pacientes com sintomas respiratórios. Assim que o paciente chega à unidade, ele passa por uma classificação e, caso apresente sintoma respiratório, é encaminhado para área separada. "A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) vai reforçar junto às equipes as orientações que devem ser repassadas aos usuários", informou.
Segundo a PBH, atualmente 2.801 médicos integram a rede de saúde do município. "Destes, 831 atuam nas unidades da rede de urgência. É importante esclarecer que os dados não contemplam os médicos que atuam nos dois hospitais de gestão municipal e que as contratações são dinâmicas e ocorrem regularmente."
O Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed), em nota, disse que recebe constantes queixas, "principalmente em relação à falta de pediatras, como aconteceu recentemente nas UPAs Pampulha, Barreiro, Norte e Venda Nova, e que gerou sobrecarga de demanda nas demais unidades." Segundo a entidade, "a prefeitura não autoriza aumento do número de plantonistas, o que tem acontecido há duas décadas”. Em consequência, de acordo o Sinmed, “médicos ficam sobrecarregados, o atendimento demora, a população fica revoltada e o caos se instala". "Se não tem médicos cadastrados no banco de currículos, certamente existem motivos reais, como salários menores em relação aos outros municípios, vínculos precários que acabam afastando os profissionais da saúde, atrasos e faltas constantes de pagamento de plantões extras e erros de adicionais", reclama a entidade.
A VEZ DO H3N2
De acordo a Secretaria de Estado de Saúde (SES), foram confirmados 147 casos da síndrome respiratória por influenza, com base em amostras coletadas pela Fundação Ezequiel Dias até quinta-feira (23/12). Nenhum óbito foi associado a esses casos, todos do subtipo A/H3N2, conforme a SES. Estatísticas a partir das amostras indicam que a macrorregião de saúde Centro tem o maior percentual de infectados, com 44,9% dos casos confirmados (66), seguida Sudeste, com 26,53% (39); Centro-Sul, com 11,56% (17); Sul, com 4,08% (6); e Leste, com 3,40% (5). As macrorregiões de Saúde do Vale do Aço, Oeste, Jequitinhonha, Leste do Sul, Norte e Nordeste detectaram a presença do Influenza A/H3N2 em uma ou três amostras cada, e demais macrorregiões não tiveram a detecção de nenhum vírus da influenza em 2021. A Funed detectou, no ano passado, 489 amostras clínicas para o vírus Influenza e 21 óbitos associados à doença de todos os subtipos.
TIPOS DE INFLUENZA
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), são conhecidos três tipos de vírus Influenza: A, B e C. Os dois primeiros são mais propícios a provocar epidemias sazonais em diversas localidades do mundo, enquanto o último costuma levar a casos mais leves.
“O tipo A da influenza é classificado em subtipos, como o A/H1N1 e o A/H3N2. Já o tipo B é dividido em duas linhagens: Victoria e Yamagata. Embora tenham diferenças genéticas, todos os tipos podem provocar sintomas parecidos, como febre alta, tosse, garganta inflamada, dores de cabeça, no corpo e nas articulações, calafrios e fadigas”, conforme a fundação.
A cepa Darwin (recém-descoberta na Austrália) faz parte do tipo A/H3N2 e tem contribuído para aumento de casos de gripe em um período atípico no Brasil – que, assim como nos demais países do hemisfério sul, registra uma circulação maior do vírus Influenza no inverno, entre julho e setembro.
SINTOMAS
Espirros, tosse, coriza, calafrio, cansaço excessivo, náuseas e vômitos, diarreia (mais frequente em crianças) e moleza estão entre os sintomas da influenza. O período de incubação do vírus é de três a cinco dias, quando começam as manifestações da doença. Nesse prazo ou em casos de infecções assintomáticas, o paciente também pode transmitir o vírus.
Apelo para desafogar o pronto-atendimento
Em 20 de dezembro, o secretário Municipal de Saúde, Jackson Machado, pediu, em entrevista coletiva à impressa, que a população da capital mineira evitasse as unidades de pronto-atendimento (UPAs) e se dirigissem aos centros de saúde se apresentassem sintomas leves. Na ocasião, o secretário explicou que a maior parte dos casos de gripe pode ser solucionada na rede de 150 estruturas desse tipo, ficando as UPAs destinadas aos atendimentos de urgência.
De acordo com dados apresentados por Jackson, cerca de 75% dos pacientes atendidos nas UPAs entre janeiro e novembro foram classificados com grau de risco “verde”, o mais baixo. De maneira geral, a dica é a seguinte: em caso de febre, coriza e dor de garganta, deve-se procurar um centro de saúde. Mas se houver dificuldade de respirar, é hora de ir à UPA. “Casos leves causam sobrecarga nas UPAs. Muitos poderiam ser resolvidos no centro de saúde”, reforçou. De acordo com Jackson, pacientes atendidos no sistema de saúde de BH apresentam o vírus H3N2 da influenza. Uma nova cepa dessa linhagem, a Darwin, é apontada como responsável por surtos no Rio de Janeiro, São Paulo e outras partes do país. Na mesma entrevista, o secretário disse que a situação em relação à gripe era “de alerta”, mas ainda não se configurava surto na capital mineira.
Ele citou dados compilados até 19 de dezembro que apontam um total de 384 mil atendimentos por doenças respiratórias nos centros de saúde de Belo Horizonte em 2021, contra cerca de 273 mil em 2020. Em novembro deste ano, o número fechou em 48 mil atendimentos – média diária de 1.600 – e em dezembro já chegavam a 28 mil no dia 19, último dado disponível, média de 1.473 por dia. Nos dados estão incluídos os diagnósticos referentes a gripes causadas por Influenza e com outras manifestações respiratórias por vírus identificado e não identificado, além de pneumonias virais, infecções agudas não especificadas das vias aéreas inferiores, entre outros.
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