Os especialistas convidados para participar do CB Fórum Live — Inovação além do tratamento deram contribuições importantes para se refletir sobre o atual estágio da saúde no Brasil. As exposições revelaram a complexidade da assistência médica em um país de 212 milhões de habitantes e com profundas desigualdades sociais e econômicas. Agora, é possível ler seis perspectivas sobre o estado de saúde do paciente Brasil.
Profundamente impactado pela pandemia de covid-19, o sistema público de saúde combateu bravamente o avanço do novo coronavírus. Ainda assim, o país sofreu com mais de 600 mil mortes e pelo menos 20 milhões de infectados. Nos momentos mais críticos, os brasileiros viram a angústia de compatriotas que não tinham acesso nem mesmo a um tubo de oxigênio. Se não houvesse uma estrutura do SUS, entretanto, o pesadelo poderia ser ainda pior.
Paralelamente aos desafios, o Brasil é capaz de importantes conquistas no desenvolvimento da saúde — seja no sistema público, seja no mercado privado. E, mais importante: é possível construir pontes entre essas iniciativas.
João Bosco de Oliveira Filho, coordenador-geral do projeto Genomas Raros, é um dos defensores dessa perspectiva. "O setor privado pode contribuir bastante para o desenvolvimento do sistema público de saúde. Com essa associação não vem apenas o recurso, mas também a expertise das outras partes, se complementando", observou.
O esforço conjunto do setor público e privado em favor da integração na assistência médica ao brasileiro é também defendido por Antônio Silva, diretor de Acesso à Saúde da Roche Farma.
"Nosso inimigo, hoje, são as doenças. Aquela visão egocêntrica, do que eu estou fazendo, isso limita a forma como a gente pode acelerar tanto as alianças quanto a inovação", argumentou.
Falta de transparência dificulta inovação
Cooperação é a palavra-chave para o Brasil, defende o diretor de Acesso à Saúde da Roche Farma, Antônio Silva. “Sozinhos, não vamos fazer. Precisamos juntar parceiros da iniciativa privada, da academia, da iniciativa pública”, disse.
Silva citou um exemplo. Em parceria com uma startup, a Roche criou o programa PreviNEO, que atua na prevenção ou detecção precoce dos cinco tipos de câncer mais comuns no Brasil: mama, próstata, pulmão, cólon e colo de útero. Entre outros benefícios, a iniciativa reduz custos do tratamento.
Silva lamenta a falta de transparência, principalmente no setor farmacêutico. “A principal barreira ainda é a falta de confiança entre todos. A gente não tem transparência. Além disso, a insegurança jurídica”, disse.
“Nosso inimigo hoje são as doenças. Aquela visão egocêntrica, do que eu estou fazendo, isso limita a forma como a gente pode acelerar tanto as alianças quanto a inovação”, finalizou.
CliqueSUS para entender o paciente
Para André Marques, sócio diretor da AT Saúde e fundador do CliqueSUS, integrar dados do paciente é passo fundamental. “Acontece que o dado está nas mãos do plano de saúde e do laboratório do exame; e quando você quer olhar o histórico do paciente, é muito difícil, seja no SUS (Sistema Único de Saúde), seja no privado”, disse.
“Integrando os diferentes atores, todos se beneficiam, pois assim há melhora do sistema e, com isso, diminui a ocorrência de exames desnecessários e do paciente passar em até quatro médicos da mesma especialidade”, exemplificou.
Marques comentou os desafios para uma melhor gestão dos dados de saúde. À medida que os dados estão estruturados, segundo o especialista convidado para o CB Fórum, é possível personalizar o tratamento clínico. “Não adianta apenas olhar a foto dele em determinado momento. É preciso entender o que ele fez, por onde passou, a fim de direcionar um tratamento específico”, defendeu.
Ministério precisa tratar doenças raras
Antoine Daher, presidente da Casa Hunter e da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), defende avanços no tratamento de doenças raras. “A iniciativa pública investe aproximadamente 4% do PIB. O maior investimento nesse quesito vem da iniciativa privada, com aproximadamente 5% de investimento”, comparou.
O volume de recursos públicos, observou Daher, é insuficiente e mal administrado. “O Brasil tem hoje aproximadamente 200 milhões de habitantes, com 77% deles dependendo exclusivamente do SUS para ter acesso à saúde. Ainda que o orçamento do Ministério da Saúde seja o segundo maior, apenas atrás da previdência, o sistema é muito ineficiente. Gastamos muito mal o pouco que temos”, criticou.
“O investimento na atenção primária de saúde é urgente, para garantir o melhor acesso à saúde, diagnósticos precoces, o encaminhamento dos pacientes de média e alta complexidade, para o tratamento especializado a tempo de se conseguir reverter situações reversíveis e salvando muito mais vidas”, afirmou.
Primeira infância, o melhor momento
A atenção primária à saúde evita diversos problemas e facilita no tratamento ou controle de doenças. É o que explicou a oficial de saúde do Unicef, Stephanie Amaral.
O órgão ligado à ONU mantém a plataforma Unidade Amiga da Primeira Infância (UAPI). “A Unicef traz uma mandala que é um modelo de atenção integral à criança que apresenta os cinco principais pilares para que a criança tenha um desenvolvimento pleno. Inclui a saúde, a nutrição, o cuidado responsivo, a proteção e a aprendizagem precoce”, explicou.
A atenção primária na infância é fundamental. “É na atenção primária onde a gente tem o primeiro ambiente e o mais propício para identificação de alterações no desenvolvimento, da necessidade de um acompanhamento especializado”, contextualizou.
“Quando a gente fala de crianças com deficiência ou doenças raras, quanto antes forem identificadas, maior é a probabilidade de se desenvolverem da melhor forma possível”, destacou.
Tecnologia para prevenir o câncer
Co-fundador e diretor presidente do Instituto Tellus, Germano Guimarães, descreveu projetos que visam a inovação tecnológica na área da saúde. O primeiro citado foi o Cuida Mama.
De acordo com o especialista, o projeto se consist'e em três pilares: facilitar a comunicação e a troca de informação entre mulheres e profissionais da saúde; (re)organizar a experiência do serviço de saúde; identificar novos parâmetros para o cuidado do câncer de mama.
Outro projeto apresentado foi o Engajamento Digital na Saúde (EDS). A ideia é implementar novas tecnologias para melhorar o atendimento nas unidades básicas de saúde. “Uma das maiores barreiras do serviço de saúde é a tecnologia que podia facilitar a vida do paciente”, conta.
Criamos um aplicativo que busca facilitar o agendamento do paciente, ele acessa por lá e vê a agenda da UBS do seu bairro. Muitos esquecem que têm a consulta, então o sistema manda uma mensagem lembrando da consulta três dias antes”, explicou Guimarães.
Projeto já ajudou duas mil crianças
Coordenador-geral do projeto Genomas Raros, João Bosco Oliveira Filho destacou a importância da colaboração público-privada no programa que ajuda a desenvolver ferramentas para diagnósticos de doenças raras.
“Essas parcerias são importantíssimas para acelerar o desenvolvimento, para implantação e a avaliação de novas tecnologias dentro do SUS. E uma dessas iniciativas recentes é na área de genética, principalmente na assistência para pacientes de doenças raras”, destacou.
O projeto Genomas foi lançado em 2020, com objetivo de incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico nas áreas de genômica e saúde de precisão no âmbito do SUS. “O uso da genética pode ajudar de forma extremamente clara para que esses pacientes tenham diagnóstico rápido, que é o principal problema das doenças raras.”