O juiz Bruno César Singulani França rejeitou, nesta segunda-feira (6/12), a acusação do Ministério Público do Estado (MPE) contra o padre Paulo Antônio Müller por homofobia. O caso foi julgado na Vara Única de Tapurah, a 414 km de Cuiabá, e o magistrado considerou que as falas do padre eram liberdade de expressão e comportamentos de toda religião que “busca o aperfeiçoamento da conduta humana”.
Nos autos do processo, o magistrado alegou que tudo não passou de algo normal em qualquer religião que tem como missão a elevação do espírito e “a reprovação de atos e práticas consideradas não saudáveis espiritualmente para aquele determinado credo”. O juiz afirmou ainda que é “natural em qualquer grupo religioso que se recrimine condutas e o cristianismo está permeado de exemplos em que se desestimula a conduta humana desagradável a Deus, o que se denominou de pecado”
Para França, o direito não deve considerar algo como discurso de ódio somente porque incomoda algumas pessoas. "A democracia é baseada na pluralidade de ideias, muitas delas díspares e repelentes umas das outras. Calar um dos argumentos contrários às próprias convicções é conduta que não se coaduna com o atual estágio civilizatório e do avanço do direito”, completou.
O MPMT, recorreu da decisão que rejeitou a denúncia. Ao contrário do entendimento do magistrado, que não viu a utilização de discurso de ódio por parte do padre, a promotora de Justiça que atua no caso afirmou que o líder religioso “ultrapassou os limites da livre manifestação acerca de suas crenças religiosas, uma vez que no dia dos fatos, durante a celebração religiosa de domingo da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, proferiu ofensas e manifestações discriminatórias contra os jornalistas Erick Rianelli e Pedro Figueiredo, bem como contra a população LGBTQIA+”.
Relembre o caso
Em 13 de junho deste ano, em uma missa transmitida ao vivo pelo Facebook, o padre causou repercussão nacional ao xingar os jornalistas de “viadinho”. O pároco levou o relacionamento dos repórteres ao sermão para repudiar uniões homoafetivas.
Durante a live, Paulo Antônia falou que essa não deve ser a conduta do homem. “Que essa não seja sua cabecinha, nem do seu filho, nem da sua filha. Pegue a Bíblia e olhe o livro de gênesis. Deus criou o homem e a mulher, concebeu família para os dois se unirem”, aconselhou.
“Queremos orar por você que é casado na igreja, é noivo, namorado. Vamos pedir a Deus que possamos viver bem esse tempo. A gente faz o namoro, não como a Globo mostrou durante essa semana com dois viados. Um repórter com um viadinho chamado Pedrinho. Ridículo”, opinou.
Consta nos autos do processo que, durante a celebração religiosa, o padre fez várias declarações ofensivas. Entre elas, disse “que chamem a união de dois viados e duas lésbicas como querem, mas não de casamento, por favor, isso é falta de respeito para com Deus, isso é sacrilégio, é blasfêmia. Casamento é uma coisa bonita e digna”.
A polêmica surgiu após o repórter Erick Rianelli se declarar ao vivo no telejornal Bom Dia RJ, ao marido Pedro Figueiredo. Em um momento espontâneo e apaixonado o jovem disse “meu amor, meu marido: eu te amo! Feliz Dia dos Namorados para a gente, para todos os casais apaixonados que estão nos assistindo, que todo mundo tenha um Dia dos Namorados maravilhoso”. A declaração foi feita em 2020, mas voltou a repercutir este ano e recebeu diversos ataques nas redes sociais. Além de Erick, os demais jornalistas do telejornal também enviaram recados para os companheiros.
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Outros ataques
Além das falas do padre, o casal também foi criticado por um empresário de uma rede de hamburguerias do Distrito Federal. O vídeo da declaração circulou em um grupo do WhatsApp e um dos participantes, Alexandre Geleia, dono do Geleia Burguer, se pronunciou incomodado.
"Falo o que penso e o que eu acho. Se ficou incomodado, me desculpe, garoto. Só acho que não precisa e não é necessário passar em TV aberta, em jornal esse tipo de coisa. É a minha opinião e não vou mudar por ser uma figura pública", afirmou Alexandre por meio de áudios. As mensagens chegaram até Erick e Pedro, que pediram boicote a rede de lanchonetes.
"Recebi alguns relatos sobre um empresário de Brasília que reagiu com homofobia a um vídeo em que eu declarei amor ao meu marido. Agradeço por todas as mensagens de apoio! Sobre o empresário... acho que nenhum LGBT do DF vai comer mais nas lojas dele", disse Erick no Twitter.
Recebi alguns relatos sobre um empresário de Brasília que reagiu com homofobia a um vídeo em que eu declarei amor ao meu marido. Agradeço por todas as mensagens de apoio! Sobre o empresário... acho que nenhum LGBT do DF vai comer mais nas lojas dele.
— Erick Rianelli (@ErickRianelli) June 15, 2021
Decisão do STF
Em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a homofobia, enquadrando como uma forma de racismo. Além disso, a Suprema Corte também determinou que religiosos e fiéis não poderão ser punidos por racismo ao externarem suas convicções doutrinárias sobre orientação sexual desde que suas manifestações não configurem discurso discriminatório.
Na época, os ministros entenderam que Congresso não pode deixar de tomar as medidas legislativas que foram determinadas pela Constituição para combater atos de discriminação.
O MPMT, com base nessas decisões do STF, argumentou, no caso do padre, que é dever do Estado criminalizar as condutas atentatórias dos direitos fundamentais, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero. “O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual”, enfatizou.
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