O Estado brasileiro foi condenado, nesta quarta-feira (24/11), na Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão judiciário autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), por um feminícidio que aconteceu em 1998 na Paraíba. Esta é a primeira vez que o Brasil é condenado por tal crime internacionalmente.
O país foi responsabilizado pela discriminação no acesso à Justiça, por não investigar e julgar com perspectiva de gênero, pela utilização de estereótipos negativos em relação à vítima e pela aplicação indevida da imunidade parlamentar.
Márcia Barbosa de Souza tinha apenas 20 anos quando foi morta por asfixia. No dia 17 de junho de 1998 ela se encontrou com o ex-deputado estadual da Paraíba Aércio Pereira de Lima (PFL, antigo DEM) em um motel. No dia seguinte, uma testemunha viu um corpo sendo retirado de um carro e jogado em um terreno baldio.
O então deputado negou o crime. Ele só começou a ser julgado em 2003, porque tinha imunidade parlamentar antes disso, e foi condenado apenas em 2007, nove anos depois do assassinato. Ele foi condenado a 16 anos de prisão por homicídio e ocultação de cadáver. O político morreu poucos meses depois da sentença e não chegou a ser preso. Ele foi velado no salão nobre da Assembleia Legislativa do da Paraíba.
Na sentença, a Corte destacou que a imagem de Márcia foi questionada durante o julgamento, com suposições sobre a conduta social dela. "O defensor realizou diversas menções no curso do processo sobre a orientação sexual da vítima, um suposto vício de drogas, comportamentos suicidas e depressão. Igualmente, descreveu a Márcia como uma 'prostituta' e a Aércio como 'o pai de família' que 'se deixou levar pelos encantos de uma jovem' e que, em um momento de raiva, teria 'cometido um erro'", afirma trecho do documento.
A Corte ainda conclui que o acesso à Justiça foi negado a família de Márcia. "Tendo em vista as considerações acima, o Tribunal conclui que a investigação e o processo penal pelos fatos relacionados ao homicídio de Márcia Barbosa de Souza tiveram um caráter discriminatório por razão de gênero e não foram conduzidos com uma perspectiva de gênero de acordo com as obrigações especiais impostas pela Convenção de Belém do Pará."
A condenação implica que o Brasil precisa divulgar a sentença e garantir que isso não irá se repetir. A Corte ainda solicita que o país crie um sistema de coleta de dados sobre violência contra a mulher, treinamento para as forças policiais e membros da Justiça, um dia de reflexão e conscientizando à Assembleia Legislativa da Paraíba sobre o impacto da feminicídio, violência contra a mulher e uso da figura da imunidade lei parlamentar e o pagamento de indenização por dano material e imaterial para a família de Márcia.