Transfobia

A cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo, quatro ocorreram no Brasil

Dados do levantamento feito pelo Transgender Europe (TGEU) mostram que o Brasil permaneceu pelo 13º ano consecutivo como o país que mais mata pessoas trans

O Brasil segue pelo décimo terceiro ano consecutivo como o lugar mais perigoso para uma pessoa transsexual viver. Pelo menos 125 travestis, homens e mulheres trans foram assassinadas devido a sua identidade de gênero entre outubro de 2020 e setembro de 2021 no Brasil. Os dados são do projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT) da ong Transgender Europe (TGEU).

No período, 33% dos assassinatos de pessoas trans que ocorreram no mundo foram no Brasil, com 125 casos. Quase o dobro do segundo colocado — o México — com 65 registros. Mundialmente, foram 375 ocorrências, 7% a mais que na atualização de 2020.

Desde que os levantamentos da TGEU começaram a ser feitos (em janeiro de 2008), 4.042 assassinatos foram registrados, e 1.645 ocorreram no Brasil — 40% de todos os casos.

E os números reais devem ser muito maiores, já que não existem dados oficiais sobre assassinatos de membros da comunidade T. Levantamentos como o da TGEU são realizados a partir do noticiamento dos casos.

Mulheres foram as principais vítimas

As mulheres trans e travestis foram vítimas de 96% dos assassinatos registrados pelo levantamento. 38% das mortes foram cometidas com armas de fogo e 20% por esfaqueamento. 58% das pessoas trans assassinadas eram profissionais do sexo. A pesquisa destaca também as demonstrações de ódios nos crimes.

Um exemplo da crueldade que a comunidade trans enfrenta foi o assassinato brutal de uma travesti de 35 anos, em Campinas, no estado de São Paulo. Kelly (apenas o primeiro nome social da vítima foi divulgado) foi morta e teve o coração arrancado. "Ele era um demônio, eu arranquei o coração dele. Não era meu conhecido. Conheci ele à meia-noite", confessou Caio Santos de Oliveira, preso pelo assassinato, enquanto sorria, em frente à 2ª Delegacia Seccional de Campinas.

Caio saiu com a vítima e manteve relações sexuais com ela. Ele mesmo levou os policiais ao local do crime. O corpo de Kelly foi encontrado com o rosto lesionado, o tórax aberto e com a imagem de um santo sobre ela. O coração da mulher estava enrolado em um pano, escondido debaixo de um guarda-roupa na casa do assassino.

O homem foi denunciado por homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de meio cruel, mas não foi preso. A Justiça de Campinas determinou a internação de Caio Santos de Oliveira em um hospital psiquiátrico por dois anos e o absolveu criminalmente. Caio foi diagnosticado como "portador de esquizofrenia".

Cenário político pode ter afetado a comunidade

O último ano registrou o maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo, e o cenário político pode ter influenciado isso. Nos Estados Unidos, os casos dobraram em um ano, chegando a 53 mortes cruéis, recorde para o país. 89% das vítimas eram pessoas racializadas, ou seja, negros, latinos, indígena e outros não brancos.

Ativistas LGBTQIA+ dos Estados Unidos relacionaram os números com o momento político que o país passava, com uma disputa eleitoral bastante polarizada. Em 2020, mais de 100 projetos de lei que visavam retirar direitos da comunidade trans tramitaram (ou foram aprovados) nos Estados Unidos.

Os projetos querem banir jovens trans dos esportes, limitar uso de banheiros, impedir adoções de crianças e limitar acesso a assistência médica. “Se você torna aceitável a prática da violência, que é o que estão fazendo, as pessoas menos privilegiadas, as mulheres trans negras, acabam sendo afetadas diretamente, resultando em sua morte”, comentou Alexandria Webb, militante trans dos Estados Unidos, à revista Híbrida.

No Brasil a situação não é muito diferente. Na mesma semana em que o relatório da TGEU destacou a continuidade do massacre de pessoas trans no Brasil, uma decisão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atingiu em cheio os membros da comunidade LGBTQIA+. O Censo Demográfico de 2022 removeu os itens "identidade de gênero" e "orientação sexual", o que torna essa expressiva população invisível para políticas sociais e de saúde. O Ministério Público Federal (MPF) está investigando o caso.

 

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