A cidade de Brumadinho , na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem o terceiro Dia de Finados com uma forte tristeza. Desde o rompimento da barragem da Vale em Córrego do Feijão, a comunidade sofre de saudade das 270 vítimas que morreram na tragédia.
Hoje houve uma homenagem aos que morreram e também um ato de luta para que as oito “joias” ainda não encontradas tenham um enterro digno. A cerimônia foi organizada pela Comissão dos Não Encontrados. Às 12h, os parentes das vítimas se reuniram no letreiro da cidade com o intuito de que as vidas perdidas no desastre não sejam esquecidas.
O padre Denis de Oliveira, da Paróquia São Sebastião, participou de um momento de oração e ressignificou o conceito de morte em seu discurso. “Que Deus possa confortar cada um de nós. No Dia de Finados, entendemos que na igreja não existe morto. Nós não morremos em Cristo, mas estamos mais próximos do Senhor”, disse.
O sacerdote também orou em pedido de ânimo aos que lamentam tantas mortes. “Eu peço que Deus proteja nossa vida, nossa caminhada. Aos familiares que ainda esperam um alento ao encontrar essas pessoas, que o senhor fortaleça na caminhada e na fé”, pediu. Em seguida, todos rezaram a ave-Maria.
Em seguida, os presentes rezaram a ave-Maria. Todos os nomes de vítimas foram lembrados em voz alta enquanto as pessoas respondiam “ausente”. Depois de um minuto de silêncio e emoção, balões pretos foram jogados aos céus significando as 270 vítimas e outros oito balões vermelhos representam os não-encontrados.
Saudade e luta
Os integrantes da comissão estão seguros de que não vão descansar enquanto as oito 'joias' faltantes não forem encontradas. É com essa garra que Natália de Oliveira organizou o ato.
“Foi uma homenagem singela, mas muito sincera a todas as vítimas que hoje, infelizmente, em Brumadinho, o Dia do Luto tem um significado ainda mais pesado porque foram tantas pessoas que partiram juntas no mesmo momento”, comenta.
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Comissão dos Não Encontrados (@comissaodosnaoencontrados)
Na tragédia provocada pela mineradora Vale, Natália perdeu Lecilda, que está entre as vítimas ainda soterradas em meio aos rejeitos de minério. O pedido dela é que este seja o último Dia de Finados sem poder ir ao túmulo da irmã.
“A eles a nossa saudade que não vai passar. O dia de luto também é de reflexão, lembrar das injustiças. Desde 25 de janeiro de 2019, são 1.012 dias de dor, tristeza, angústia, saudade e revolta. Todos sentimentos misturados”, lamenta. “A gente espera que seja a última porque todos vão ser encontrados.”
Falta um companheiro
Eurivan de Souza Cardoso também perdeu o irmão, Eudes José, que morreu aos 44 anos e deixou duas filhas: uma de 7 e a outra de 2 na data da tragédia. Euler era eletricista da Vale e foi à empresa no dia 25 de janeiro para despedir dos colegas, já que estava de saída da empresa.
“Ele trabalhou na Vale por 17 anos. No seu último dia, despediu dos colegas e resolveu ficar para almoçar. E lá ele ficou”, relembra Eurivan. O rompimento da barragem ocorreu às 12h28, horário em que diversos funcionários estavam no restaurante da empresa. “É muito triste. Eu perdi um irmão, meu companheiro.”
O corpo de Euler foi encontrado pelos bombeiros no 4º dia de buscas. Neste terceiro dia de Finados sem o irmão, ele não deixa de participar do ato em memória às vítimas. “Essa é uma data que a gente respeita e sente muita falta”, diz. “A lembrança sempre fica, a saudade aperta muito.”
Tristeza e injustiça
O Dia dos Finados também foi sem fim para os familiares de Nathalia de Oliveira Porto Araujo. A jovem fazia estágio na Vale há quatro meses antes do desastre e até hoje seu corpo não foi encontrado. “Todo mundo gostava dela, estava indo muito bem”, relembra a prima, Tânia Efigênia de Oliveira Queiroz, que ajudou a criar Nathalia.
“Na hora da tragédia ela ligou pro marido e falou: ‘Jorge, está acontecendo um negócio esquisito, tá tremendo tudo, não estou sabendo o que tá acontecendo’. Ela olhou pra trás e viu a onda de lama vindo. Ela só falou: ‘Deus me dá o livramento’. E acabou”, conta.
“Eu tinha orgulho da minha prima. A gente ficava junto desde quando ela era um bebê. Ajudei em tudo, inclusive com as documentações para entrar na Vale. Só que aí veio acontecer essa tragédia. Ela estudou com muita dificuldade para acabar tudo em um segundo”, desabafa.
Para Tânia, que passou a fazer tratamentos psicológicos e psiquiátricos após o rompimento da barragem, participar do ato em memória das vítimas também é uma forma de protestar contra injustiça e pedir que as buscas não sejam interrompidas enquanto as oito joias não forem encontradas.
“Nós da família temos esperança ainda que ela seja encontrada para fazer um enterro digno. Tive que tomar medicamento para participar do ato. É muito difícil. Dia dos Finados pra mim é muita dor, angústia, decepção, tristeza. É triste uma empresa grande do jeito que é deixar acontecer um desastre do tamanho que aconteceu em Brumadinho. Não sei decifrar a dor que eu sinto”, lamenta emocionada.
Buscas por vítimas
A Operação Brumadinho já passou de mil dias desde o início dos trabalhos de buscas por vítimas que foram soterradas pela avalanche de lama que se desprendeu da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, de propriedade da Vale, em 25 de janeiro de 2019.
O Corpo de Bombeiros começou, em setembro, a utilizar uma nova estratégia que pode diminuir em dois anos o tempo de buscas – antes, a previsão era de que elas poderiam levar mais quatro anos até chegar ao fim. Dos 270 mortos no desastre, oito ainda não foram encontrados.