O Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) 2022 corre risco não por uma possível interferência em função de um redirecionamento ideológico, mas pela falta de itens no banco de questões para sua elaboração. Desde o governo do presidente Michel Temer, não é realizado o chamado “pré-teste” — que serve para medir o alcance e a calibragem das perguntas. E sem essa avaliação, a qualidade do certame pode cair, ficando desequilibrado.
O alerta é de funcionários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Um deles, sob a condição de anonimato, conversou com o Correio e foi enfático sobre a baixa no rol de perguntas: “É como se fosse um banco mesmo, e estamos usando o cheque especial do nosso banco”, explicou, acrescentando que a autarquia tem utilizado os poucos itens disponíveis no banco desde 2018. No total, foram duas provas em 2019, três provas em 2020 e duas provas em 2021.
O Enem utiliza o método de Teoria de Resposta ao Item (TRI) que, para ser colocada em prática, é necessário uma informação estatística — ou informação psicométrica — sobre o item criado. Para isso, é realizado um teste com um grupo de pessoas similar ao que vai fazer aquele exame. Esse é o pré-teste a que o servidor se refere.
“Historicamente, o Inep sempre teve problema com o banco de itens. Todos os ministros da Educação, desde a época do (Fernando) Haddad, querem implantar o Enem Digital e não conseguem, justamente pela falta de questões”, explicou.
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Mas, nos últimos dois anos, de acordo com dados do Siga Brasil Cidadão, houve uma queda de investimento público na instituição. Foram gastos, ao todo, em 2021, aproximadamente R$ 900 milhões. Em 2020, esse valor caiu para pouco mais de R$ 816 milhões — o menor investimento em seis anos —, o que agrava a situação para a realização dos pré-testes.
Para o professor Mateus Prado, especialista em Enem, as razões para essa dificuldade no banco de questões ocorrem, sobretudo, por quatro fatores: 1) pandemia; 2) baixo conhecimento técnico dos presidentes do Inep e dos ministros da Educação que passaram; 3) diminuição dos gastos efetivos do Inep nos últimos anos; e 4) vontade política de desqualificar o Enem.
“Desde o início da pandemia, as equipes não se reuniram mais — só voltaram a realizar encontros depois. Até pouco tempo atrás, só ia ao Inep parte dos funcionários. Só voltaram a ir todos faz bem pouco tempo. No início de outubro, estive lá, e menos que 50% dos que trabalham todos os dias estavam trabalhando presencialmente”, explicou Prado.
O professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP, explica que a falta do pré-teste pode tornar o calendário de 2022 mais apertado — e atrapalhar a elaboração das provas. Isso porque, segundo ele, como não são adicionados itens no banco de questões desde o fim do governo Temer, no ano que vem deverão ser realizados o pré-teste de itens pouco antes da realização do certame.
“Isso pode dar inúmeros problemas, como, por exemplo, os estudantes conhecerem as questões. Nesse sentido, vale a pena chamar a atenção da sociedade para o fato de que o governo Bolsonaro não alimentou o Banco Nacional de Itens e, em que pese todo o esforço dos servidores em pautar essa questão, isso pode colocar em risco o Enem de 2022”, observou.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
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