Apesar de uma ala de senadores defender a retirada das dívidas judiciais do teto de gastos em um substitutivo à PEC dos Precatórios (PEC 23/2021) aprovada pela Câmara dos Deputados, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator da matéria que tramita no Senado Federal, pretende manter as dívidas judiciais dentro da regra constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. Ele também prevê transformar o novo auxílio de R$ 400 em permanente.
"Estamos aguardando posição (do Ministério) da Economia, mas acho que deveremos avançar nesta direção!", disse Bezerra, em entrevista ao Correio, ao falar da possibilidade do auxílio ser permanente. O senador tem feito reuniões com os líderes e contou que pretende concluir o texto do relatório hoje, mas evitou comentar sobre o risco de fatiamento da proposta que vem sendo cogitado entre os parlamentares. "Devemos acolher algumas sugestões e vamos para o voto! Estamos confiantes que poderemos construir um entendimento mais amplo!", afirmou o relator da PEC 23/2021.
Em relação ao substitutivo proposto pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), José Aníbal (PSDB-SP), e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que altera o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, que retira os precatórios do limite do teto de gastos e prevê um auxílio permanente, Bezerra defendeu um texto comum entre as duas Casas. "Nenhuma pode impor a vontade para a outra casa! Diferente da tramitação de projetos de lei ou de medidas provisórias", disse o líder do governo no Senado.
A expectativa é de que a PEC comece a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado, amanhã. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), admitiu que a matéria só deverá ir para o plenário na semana que vem. Pacheco também tem apoiado a ideia de um auxílio de R$ 400 permanente, mas essa possibilidade esbarra na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) devido à falta de uma fonte de receita correspondente.
Espaço fiscal
Uma das principais mudanças na PEC dos Precatórios feita pela Câmara foi a antecipação da mudança no indexador do teto de gastos, prevista para 2026, e vem sendo criticada por senadores da base aliada e da oposição, assim como por especialistas em contas públicas.
Conforme os novos cálculos apresentados ontem aos senadores pelo secretário especial do Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, o espaço fiscal no Orçamento de 2022 com a aprovação da PEC passou de R$ 91,6 bilhões R$ 106,1 bilhões, devido à atualização na projeção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, de 8,7% para 9,7%. Desse montante, R$ 62,2 bilhões são referentes à mudança na metodologia de cálculo do teto de gastos. Colnago prevê R$ 51,1 bilhões para o novo Bolsa Família além dos R$ 34,7 bilhões já previstos na peça orçamentária.
Analistas apostam em um fatiamento da PEC dos Precatórios no plenário do Senado, porque há muita resistência para aprovar o texto enviado pela Câmara. "Acho que a PEC deve passar na quarta (na CCJ), mas devem fatiar no plenário. Pelo que vimos há muitas resistências ainda", avaliou o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.
Durante a em audiência pública do Senado sobre a PEC, realizada ontem, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que as conversas apontam para um fatiamento dessa matéria. "A vantagem desse fatiamento permitiria o pagamento da primeira parcela de R$ 400 do Auxílio Brasil antes do Natal", afirmou o parlamentar tucano.
Um dos autores do substitutivo, Oriovisto Guimarães, defendeu durante a audiência, a mudança na proposta da Câmara e o auxílio permanente. "Não podemos aceitar as emendas de relator; não podemos aceitar o calote nos precatórios; também é inaceitável mexer na regra do teto de gastos; e por último, queremos um programa permanente e não um programa eleitoreiro", afirmou o senador durante o discurso.
De acordo com o economista Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas e consultor no Senado, como não há espaço fiscal para um auxílio permanente, ele poderá ser criado sem uma receita correspondente se houver essa previsão na PEC. "O texto constitucional precisará prever que o cumprimento da LRF será dispensado da compensação, como ocorreu no Orçamento de Guerra durante a pandemia", explicou. Contudo, ele não concorda com essa possibilidade, porque ela gera mais incerteza. "O mercado é contra o descontrole das despesas do Orçamento sem remanejamento de despesa e sem indicar para onde vão as contas públicas nos próximos anos", destacou.
Dívida impagável
Durante o debate, senadores e especialistas defendem uma discussão mais aprofundada dos estragos que um calote nas dívidas judiciais poderá provocar na dívida pública. O economista Ricardo Volpe, especialista em Orçamento e consultor da Câmara, mais da metade das dívidas judiciais que o governo quer dar calote podem chegar a R$ 1 trilhão em 2030, ano em que termina a vigência da regra do teto devido ao acúmulo dos precatórios que não serão pagos ao longo dos anos.
"Essa dívida poderá desaguar no Orçamento de uma forma impagável no futuro", alertou Volpe. Segundo ele, a mudança na regra de correção do teto de gastos, trocando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro a dezembro em vez do IPCA de julho a junho do ano anterior vai dificultar o planejamento orçamentário.
Pelos cálculos de Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a dívida pública já está crescendo por conta das incertezas geradas pela PEC dos Precatórios, que inclui o descumprimento de regras fiscais, apesar de integrantes do governo tentarem dizer o contrário.
Salto prevê que será necessário um superavit primário de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, de mais de R$ 400 bilhões, para o governo conseguir interromper a trajetória de forte avanço da dívida pública se a PEC for aprovada.
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