Um dever de casa, enviado por meio de um grupo de rede social para pais de alunos de uma instituiçao de ensino para crianças especiais, provocou indignação no sábado (20/11), data em que se comemorou o Dia da Consciência Negra. O episódio, que envolveu uma professora da Apae Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, deixou os pais estarrecidos.
Para lembrar o Dia Nacional da Consciência negra, a professora desenhou o que seria o rosto de uma pessoa negra com os cabelos enrolados. Junto ao desenho, ela enviou um áudio para os pais com instruções para a realização da atividade. Ela sugere às crianças que completem o cabelo da figura.
"Vocês vão fazer o seguinte: colocar em cima do cabelo, fazendo um enfeite com bombril", diz a profesora no áudio. A gravação e o desenho circulam pelas redes sociais.
O avô de uma aluna que recebeu o áudio ficou estarrecido."Ela recebeu a mensagem no dia 20 de novembro, por isso o susto foi maior. Estou ainda perplexo. Não sei o que levou a fazer esse ato, se foi algo impensado, maldade ou se isso mesmo que ela pensa". Aos 65 anos, ele pediu para não ser identificado por ter trabalhado como educador na rede de ensino de Ribeirão das Neves.
Educador aposentado, ele afirma que a comparação da professora é reflexo do racismo estrutural. Com 10 anos, a neta dele está no espectro do autismo. Ele informou que o caso foi relatado à Secretaria Municipal de Educação.
"É estado de coisas que a gente passa há muito tempo. É estrutural e chocante. A gente que tem um nível de educação coloca a gente para pensar o motivo disso. É o racismo velado que a gente tem de conviver com ele", completa.
Ataque à autoestima e perdas no aprendizado
A pesquisadora de relações raciais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Etiene Martins destaca como episódios, no ambiente escolar, em que as características de pessoas negras são atacadas trazem prejuízos no aprendizado.
"Uma criança que sofre com a violência efetiva de racismo na sala de aula perde o vínculo afetivo com a instituição de ensino resultando em perda no desempenho escolar e, posteriormente, no abandono dos estudos", pontua.
A pesquisadora pondera o quanto a auto-estima de uma criança negra é abalada, quando a negritude é atacada, o que pode gerar problemas sociais e até mesmo o adoecimento mental. "Ninguém quer estar em um lugar onde é hostilizado, humilhado e violentado por um crime tão cruel", completa.
O ensino da história da África e da cultura negra nas escolas públicas e privadas é uma diretriz da Lei 10.639, de 2003. Etiene destaca que há disponível bibliografia extensa, com material pedagógico para proporcionar que educadores tratem os temas étinico-raciais com o respeito e seriedade.
A pesquisadora reforça que racismo e injúria racial são crimes e os pais devem, em episódios como o da escola em Ribeirão das Neves, fazer um boletim de ocorrência em qualquer delegacia da polícia civil. "Se possível, devem levar as provas. Os pais também não podem se esquecer de pedir na delegacia a representação da queixa para que o criminoso responda por esse crime diante da lei", orienta.
Porém, se houver alguma dificuldade ao realizar o boletim nas delegacias comuns, os pais devem procurar uma delegacia especializada em racismo.
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