Cristianópolis (GO) — Há 26 anos, em uma noite de quinta-feira de 22 de julho de 1995, nasceu Marília Mendonça, no pequeno município de Cristianópolis, localizado a 90 km de Goiânia. À época, dona Ruth Dias, mãe de Marília, foi para o Hospital Municipal da cidade porque precisava fazer uma cirurgia cesariana para dar à luz a cantora que veio a se tornar a rainha da sofrência.
Dias após o nascimento, dona Ruth saiu da pequena cidade com a bebê Marília e as duas não voltaram mais. A enfermeira Cláudia Borges Magalhães, de 52 anos, que ajudou no parto de Marília, conta que o Hospital Municipal de Cristianópolis era bastante procurado para realização de cirurgias cesarianas, procedimento que Ruth fez para ter Marília.
"Quando ela chegou, eu perguntei de onde ela (Ruth) era. Ela me respondeu que vinha de Goiânia e que era conhecida do Dr. José Fernandes (médico que fez o parto). Nós fizemos a cesária dela, ocorreu tudo bem, ficou tudo bem, mas ela só não conseguiu amamentar no primeiro dia de nascimento por causa da anestesia. Aí a gente colocou ela para mamar com outra paciente que teve neném no mesmo dia. Foi a única solução, pois a bebezinha (Marília) estava chorando muito", lembrou a enfermeira conhecida na pequena cidade como Claudinha.
Apesar de Marília não ter vivido efetivamente em Cristianópolis, para uma cidade que possui 2.962 habitantes, segundo IBGE, ter como cidadã uma artista tão ilustre nascida no local não poderia passar despercebido. Como as únicas pessoas da cidade que conheceram Marília pessoalmente foram nos primeiros dias de vida, ninguém sabia que ela era natural da cidade. A descoberta só foi feita em 2016, quando Marília participou de um importante programa de televisão para cantar a música Infiel, o seu primeiro sucesso da carreira como cantora.
"Ninguém sabia que ela tinha nascido aqui, nós só ficamos sabendo depois que ela participou de um programa de TV no começo da carreira e a gente ficou sabendo que era ela a filha da dona Ruth. Quando foi falado que ela era de Cristianópolis, a gente olhou no arquivo e descobrimos que ela nasceu aqui", explicou Claudinha.
Se a notícia impressionou e alegrou a pequena cidade, para uma moradora, a descoberta foi ainda mais especial. Aparecida Alves Ribeiro, 50 anos, é costureira natural de Santa Cruz (GO), mas aos 15 anos viajou 33 quilômetros para morar em Cristianópolis. Na mesma noite de 22 de julho de 1995 na qual nasceu Marília Mendonça, ela deu à luz a sua filha Áquila. Como teve parto normal, sua recuperação foi mais rápida e foi ela quem amamentou Marília Mendonça pela primeira vez, na manhã seguinte ao seu nascimento, conforme relataram a costureira Cida, como é chamada na cidade, e, também, a enfermeira Claudinha. Cida ainda contou detalhes do momento que amamentou Marília Mendonça.
"As enfermeiras me pediram 'Cida, tenta amamentar', porque ela não podia tomar outro leite sem ser o leite materno. Tudo que me pediam que fosse para o bem eu estava disposta a fazer. Que bom que naquele tempo podia, hoje não pode mais (amamentar bebês de outras mães no hospital). Desde então, me perguntei onde estaria aquele bebê. Nunca esqueci daquele momento, dela no meu braço esquerdo eu amamentando e olhando para aquele rostinho lindo", explicou Aparecida.
A costureira relatou também a tristeza pela perda de Marília. "Gostaria de mandar para a Ruth meus sentimentos e, também, pedir desculpas a ela por eu estar aparecendo na mídia, neste triste momento, como mãe de leite", declarou.
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Homenagem
O hospital onde Marília Mendonça nasceu pode receber seu nome como forma de homenagear a cantora. Após a prefeitura da cidade declarar três dias de luto e consternação pela morte da artista, a prefeita relatou ao Correio que enviou à Câmara Municipal um pedido para mudar o nome do Hospital Municipal de Cristianópolis para Hospital Municipal Marília Mendonça.
"Essa homenagem não é só por ela ter nascido aqui no hospital e na cidade, mas pela referência que ela é para Cristianópolis e para o mundo todo", disse a prefeita da cidade, Juliana Izabel de Paula Costa.
A prefeita afirmou que tinha a intenção de trazer um show da cantora para Cristianópolis em junho deste ano para ser a principal estrela do Rodeio Show.
Os acordes da sofrência
Tarde de domingo. O bar e restaurante Aquarius, no Jardim da Luz, região sul de Goiânia, começa a ficar lotado. O DJ coloca uma música de Marília Mendonça. Do lado esquerdo da entrada do estabelecimento, à direita da pick up, uma mesa de madeira está vazia. Era ali que a cantora gostava de se sentar, acompanhada da mãe, sempre às segundas-feiras ou terça-feiras, quando tirava folga da vida corrida de shows.
O proprietário do Aquarius, Bonifácio Américo Gonçalves de Araújo Melo, 42 anos, contou que o restaurante funciona há 21. "Eu e meu irmão conhecemos a Marília Mendonça em uma boate, chamada Copas Lounge, por volta de 2014, em Aparecida de Goiânia. No início da carreira, ela chegava com o violão e pedia para cantar: 'Ou! Deixa eu cantar uma música, por favor?", relatou ao Correio. Ele se lembra como se fosse hoje: o amigo Diogo, vocalista da banda de axé e pagode Marcação Cerrada, às vezes deixava Marília subir ao palco e cantar uma ou duas músicas. "Foi ali que ela começou, pedindo para dar palhinha. Era amiga da gente. Cinco anos depois, ela ficou famosa", disse.
O garçom Ronei Sousa trabalha no Aquarius há três anos. "Tive o privilégio de atendê-la duas vezes. A primeira vez foi há três, quatro meses; a segunda, dois meses atrás", contou.
O início
O Correio localizou o empresário Rhander Mamedio, 40 anos, o antigo dono da Copas Lounge, fechada em 2016. "A Marília ia à boate e, como era menor de idade, não podíamos deixar que ela fizesse um show completo. Mas ela sempre participava com os amigos", recordou.
A imagem que Rhander guarda é de Marília chegando ao Copas com o violão à mão. Ele explica que a cantora cresceu profissionalmente muito cedo, e logo foi contratada para compor.
Primeiros passos
Marília Mendonça tinha entre 10 e 12 anos quando o avô procurou uma professora de violão. Queria que a neta aprendesse o instrumento para tocar na igreja em que era pastor. Quis o destino que Marília chegasse às mãos de Marli Franco Felix dos Santos, 53 anos. "Ele pediu que eu ensinasse a ela pela linha do gospel. Foi assim que aconteceram as primeiras aulas do curso básico de violão, entre 2006 e 2007", contou ao Correio a ex-professora, hoje cerimonialista, por telefone.
As aulas com Marli ocorreram durante quatro meses, primeiro na casa da professora. "Depois desse período, eu a levei para fazer uma oficina de música na minha igreja. Lá tinha teoria musical. A mensalidade era barata e ficava melhor, porque eu sabia da situação financeira da família", relatou.
Como todo professor, Marli usou a percepção para descobrir se Marília evoluiria bem com o instrumento ou não. "Percebi que ela tinha o dom para tocar. Em relação a cantar, ela era mais tímida para soltar a voz", lembra.
A professora logo constatou que a menina tinha vergonha da própria voz e levou-a para a igreja, onde ela teria contato com outros alunos e veria que os timbres de voz são variados. Deu tão certo que Marília Mendonça tornou-se um fenômeno por sua voz e pelas composições.
*Os repórteres são enviados especiais a Cristianópolis
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