Os cinco diretores que formam a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) receberam, na última quinta-feira (28/10), um e-mail com ameaça de morte em caso de uma eventual aprovação de vacinas para crianças entre 5 e 11 anos. A ameaça aconteceu um dia depois de a farmacêutica Pfizer informar que pedirá à Anvisa, no próximo mês, a autorização para que a vacina contra a covid-19 Comirnarty possa ser aplicada em crianças dessa faixa etária. Apesar do foco atual da agência ser a deliberação de imunizantes contra a covid-19, o autor das ameaças não citou a aprovação de nenhuma vacina específica.
No e-mail endereçado às cinco diretorias da agência, o autor das ameaças afirma que, se houver a “aprovação da Anvisa para a vacinação experimental em crianças de 5 a 11 anos“, irá retirar o filho da escola. Logo depois, avisa: “Quem atentar contra a segurança do meu filho será morto”. Diante da gravidade do ocorrido, a Anvisa informou, ontem, por meio de nota, “que oficiou imediatamente às autoridades policiais e o Ministério Público, nos âmbitos Federal, Estadual e Distrital, entre outras, para adoção das medidas cabíveis". Instituições escolares do Paraná e os secretários de Saúde e Educação do estado também foram alvo das mesmas ameaças feitas aos diretores da Anvisa.
A diretoria colegiada da agência ganhou notoriedade, pois é responsável pela deliberação de normas relacionadas à pandemia da covid-19. O grupo já aprovou, por exemplo, o uso emergencial de vacinas contra a covid-19 no início deste ano. No entanto, apesar do autor das ameaças falar na aprovação de vacinas para crianças de 5 a 11 anos de idade, a Anvisa ainda não aprovou nenhum imunizante contra a covid-19 para essa faixa etária.
Na última quarta-feira (27), a farmacêutica Pfizer indicou que pedirá à Anvisa, em novembro, autorização para que a vacina contra o novo coronavírus Comirnarty possa ser aplicada em crianças dessa faixa etária. Ainda ontem, a agência reguladora dos Estados Unidos (FDA, sigla em inglês), autorizou que a vacina da Pfizer seja aplicada em crianças de 5 a 11 anos no país após o comitê independente da agência recomendar o uso do imunizante nesta faixa etária.
Autorização
Atualmente, no Brasil, não há nenhum pedido para que a Anvisa avalie a eficácia e a segurança das vacinas contra covid-19 para crianças. Mas, em agosto, a diretoria colegiada da agência avaliou e negou a autorização de uso emergencial da vacina contra a covid-19 CoronaVac em crianças a partir de 3 anos. Por unanimidade, os diretores consideraram que ainda não havia dados suficientes para aprovar o uso do imunizante neste grupo formado por crianças a partir de 3 anos até adolescentes com 17 anos.
No Brasil, a única vacina contra a covid-19 aprovada pela Anvisa para ser usada em pessoas com menos de 18 anos é a da Pfizer. O imunizante pode ser aplicado em adolescentes de 12 a 17 anos e já é utilizado na imunização de adolescentes com e sem comorbidades do país.
Repúdio
Diante da ameaça aos diretores, a Associação dos Servidores da Anvisa (Univisa) manifestou preocupação com o fato. “Trata-se de exemplo que demonstra o que ocorre quando a circulação de notícias falsas, o negacionismo científico e o discurso de ódio são levados às últimas consequências. Ao longo da história, quando o fanatismo e o extremismo são incentivados e encontram solo fértil nas sociedades, o resultado é sempre de terror e retrocesso”, disse a Univisa, em nota de repúdio divulgada após o episódio.
Para a associação de servidores, a ameaça foi vista como tentativa de intimidar e direcionar a decisão dos diretores em uma futura avaliação de autorização emergencial do uso de vacinas contra a covid-19 em crianças de 5 a 11 anos. Os servidores reafirmaram o “compromisso com a verdade, com a ciência, com as boas-práticas regulatórias e com a defesa incansável das prerrogativas institucionais da Anvisa”.
A Comissão de Ética da agência também repudiou o ato e afirmou que os dirigentes atuam pautados nos princípios éticos e respeitam a autonomia técnica dos servidores “que tem como base o rigor científico, cumprindo seu compromisso com a saúde pública visando à segurança da população brasileira”. “A Anvisa tem dados provas cotidianas de que tem se pautado pela ética pública, primando pela eficiência de seus serviços à população'', ressaltou.