A Justiça Militar condenou oito integrantes do Exército a cerca de 30 anos de prisão pela morte de dois civis. O caso refere-se ao fuzilamento do músico Evaldo dos Santos Rosa, que era negro, e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, durante uma ação do Exército no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro, em 2019.
Por 3 votos a 2, após uma sessão de mais de 15 horas, o conselho de juízes da Justiça Militar da União, com sede no Rio, condenou os militares por homicídio qualificado. As penas foram superiores a 28 anos de reclusão. Além disso, houve responsabilização por tentativa de homicídio contra o sogro do músico Evaldo, Sérgio Gonçalves de Araújo.
A maior pena foi imposta ao tenente Ítalo da Silva Nunes, que comandava a ação: 31 anos e 6 meses de reclusão. Os outros sete soldados foram condenados a 28 anos de reclusão e excluídos do quadro do Exército. Isso porque não são oficiais e suas penas foram acima de dois anos, conforme prevê o Código Penal Militar. Além de serem expulsos das Forças Armadas, os condenados terão de cumprir a prisão em regime fechado. Mas continuarão em liberdade até o julgamento de recursos.
Em abril de 2019, Evaldo levava a família para um chá de bebê, quando militares dispararam 257 tiros de fuzil contra o veículo do músico durante uma ação de patrulhamento do Exército na área da Vila Militar em Guadalupe, Zona Norte do Rio.
O veículo do músico morto foi atingido por 62 disparos de fuzil e pistola. O catador Luciano Macedo, que estava próximo do local com seu carrinho, foi baleado pelos militares ao tentar socorrer o artista. Com ferimentos no braço direito e nas costas, Luciano morreu 11 dias depois do episódio.
Outros quatro militares também integravam o grupo. No entanto, foram absolvidos por falta de provas de que participaram da ação. Conforme a Justiça Militar da União, “um vídeo, exames residuográficos, um relatório de ensaio e pareceres técnicos estão em consonância com a informação de que estes (militares) não efetuaram disparos”.
A sessão de ontem foi realizada pelos votos de cinco magistrados do Conselho Especial de Justiça: a juíza federal substituta da Justiça Militar Mariana Aquino, que atuou como presidente do conselho; e quatro oficiais do Exército, que exerceram a função de juízes militares.
Reação desproporcional
Conforme o voto da juíza, a versão dos acusados — de que atiraram em resposta aos disparos feitos por Luciano (apontado como autor de um roubo momentos antes da tragédia) — está fora de contexto diante das provas.
“Com efeito, o assalto já havia cessado, Evaldo estava dentro do carro, inconsciente; não foram encontradas armas com as vítimas, tampouco a viatura Marruá foi alvejada; ademais, as testemunhas relataram que apenas os militares atiraram, o que pôde ser comprovado, também, em face das perícias e do vídeo gravado. Assim, forçoso convir que não há que se falar em legítima defesa, uma vez que não houve agressão injusta. Da mesma forma, impossível o reconhecimento da excludente da legítima defesa putativa quando não presentes os elementos necessários à sua caracterização (sequer há ameaça de agressão. O assalto já havia cessado)”, declarou a magistrada.
Ainda de acordo com a juíza, “a lei não impõe, em tempo de paz, a quem quer que seja, o dever de matar. Ainda, importante destacar que as regras de engajamento — que são diretrizes que balizam a conduta dos militares e o uso da força de forma progressiva, proporcional e pautada nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade — não foram observadas no caso em tela; ao revés, agiu-se de forma diametralmente oposta àquela que se espera de militares com vasta experiência operacional”.
O conselho de juízes considerou não haver configuração de crime de omissão de socorro, outra acusação aos militares, “visto que o relato de testemunhas confirmou que o tenente ligou solicitando que a Polícia Militar acionasse os órgãos competentes para o socorro”.