O Brasil está prestes a atingir a marca de 600 mil mortos por covid-19 em quase 19 meses passados desde o registro do primeiro óbito pela doença. Apesar da diminuição observada nas últimas semanas nos índices de casos e mortes, especialistas afirmam que o momento é de cautela.
As marcas deixadas pela pandemia podem ser exemplificadas por 7 números que retratam o momento atual da covid no país e efeitos consolidados sobre a população brasileira.
Há a boa notícia de mais da metade dos municípios brasileiros sem registros de morte por covid em setembro passado, mas a expectativa de vida do brasileiro deve diminuir e a crise econômica se expressa em perda de emprego em setores mais pobres da população.
Veja abaixo:
45% dos brasileiros vacinados
Dados do governo mostram que 45% dos brasileiros tomaram duas doses ou dose única da vacina contra a covid, ou seja, mais de 96 milhões de pessoas já estão imunizadas, segundo o último relatório do consórcio de veículos de imprensa.
"De fato, o número ainda é baixo", diz Paulo Petry, epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Quanto mais tempo um vírus permanece em circulação, maior é a chance de ele sofrer mutações". O percentual da população que está parcialmente imunizada está próximo de 70%, ou quase 150 milhões de pessoas.
Petry afirma que o número relativamente baixo de imunizados junto à queda no registro de óbitos ao menos é uma mostra da grande eficácia da vacinação como elemento de contenção da pandemia. "Por enquanto os cuidados devem ser mantidos. Nós ainda não atingimos a tão sonhada imunidade coletiva, que se estima em cerca de 80% de completamente imunizados."
9 capitais do país com alta de casos
Nove capitais do país ainda apresentam tendência de alta de doenças respiratórias graves, segundo o último boletim Infogripe, produzido pela Fiocruz.
O monitoramento de casos de síndrome respiratória aguda grave, considerando as últimas 3 semanas, aponta que as cidades com esse viés são Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Palmas, Porto Velho, Salvador e Vitória.
"Isso deixa claro que a epidemia não acabou e que muita gente ainda está desprotegida, em que pese o avanço da vacinação em massa", diz o epidemiologista Jesem Orellana, da FioCruz Amazônia. "Temos que ser cautelosos, com um vírus tão astuto como o Sars-Cov-2", afirma.
Quase 60% das cidades sem mortes por covid
Em setembro, 58% dos municípios brasileiros não registraram mortes por covid. Segundo dados tabulados pelo pesquisador Wesley Cota, da Universidade Federal de Viçosa, e divulgados pelo site G1, foram 3.274 cidades sem notificação de mortes no último mês.
Desde maio de 2020 esse patamar não era alcançado. A cidade mais populosa sem mortes registradas é São José de Ribamar, no Maranhão, que conta com 179.028 habitantes.
Nos últimos dias, segundo dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), a média móvel de mortes tem começado a ficar abaixo da marca de 500.
A epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo, segue a linha de outros pesquisadores e diz que o momento ainda é de observação. "Em epidemiologia, a palavra controle tem uma definição e nós não estamos no controle", afirma.
"A pandemia é global. Não adianta apenas eu ter bons indicadores no meu país, no meu município, se os indicadores estão ruins em outras partes. Podem surgir variantes que trazem riscos."
No entanto, a cientista vê um cenário mais positivo atualmente: "Tudo pode acontecer, mas a vantagem de já termos uma plataforma de vacinas é que mesmo que surja alguma variante a gente tem como remodelar essa plataforma para combatê-las. Então desse ponto de vista nós estamos muito melhor do que no ano passado."
Queda da expectativa de vida
O Brasil registrou uma queda de dois anos na expectativa de vida dos brasileiros. Uma equipe de pesquisadores concluiu que, em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos em razão da pandemia de covid.
A expectativa baixou dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados para 74,8 anos, segundo o estudo liderado pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard. Esse é um importante indicador de qualidade de vida e um dos componentes no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das nações.
Em entrevista à BBC News Brasil, Márcia Castro afirmou que os dados podem ser piores do que essa estimativa. "A gente sabe que houve muita dificuldade de acesso ao teste de covid-19, subnotificação e muita morte pelo novo coronavírus que não foi registrada dessa maneira".
1 milhão de cirurgias canceladas
Um milhão de cirurgias foram adiadas ou canceladas no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro por causa da pandemia de covid, de acordo com um levantamento feito pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, em Bauru, e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Segundo Nivaldo Alonso, coordenador do estudo, "esforços rigorosos para reduzir a disseminação de covid-19 estarão associados a atrasos e cancelamentos reduzidos para cirurgias de emergência, mas exigirão esforços governamentais coordenados para expandir o atendimento cirúrgico para superar atrasos das cirurgias eletivas".
Com as mudanças no sistema de saúde, o acesso à cirurgia de emergência foi reduzido e centenas de milhares de procedimentos eletivos foram adiados para concentrar os esforços do corpo médico no combate à covid.
Desemprego em alta
54% dos moradores das favelas do Rio de Janeiro perderam o emprego durante a pandemia, segundo a pesquisa "Coronavírus nas Favelas: a Desigualdade e o Racismo sem Máscaras", realizada pelo coletivo Movimentos, com o apoio do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). O levantamento com 955 participantes também apontou que 26% dos moradores de comunidades cariocas trabalham com carteira assinada.
Somente 24% responderam que fizeram teste para detectar covid-19 - entre os que tiveram sintomas, apenas 45% conseguiram fazer um teste. A pandemia também influenciou negativamente a saúde mental dos moradores de favelas do Rio: 76% dos entrevistados informaram algum distúrbio do sono, 43,1% registraram algum nível de depressão e 34% percebem a ansiedade como um sentimento mais presente após a pandemia.
Trocas de ministros
Quatro ministros estiveram à frente da pasta da Saúde do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia. Luiz Henrique Mandetta era ministro desde o início do governo Bolsonaro e saiu apenas dois meses após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Ele foi sucedido pelo médico Nelson Teich, que não chegou a durar 1 mês no comando do ministério.
A saída de ambos é atribuída à resistência de Bolsonaro em aceitar as recomendações científicas para o enfrentamento da pandemia.
O ministro da Saúde mais longevo durante a pandemia foi o general Eduardo Pazuello, que apresentou um alinhamento muito maior com as ideias do presidente. Foram dez meses no cargo, em que ocorreram graves crises sanitárias e uma escalada de mortes no país em virtude da doença. Foi sob seu comando que houve falta de respiradores e oxigênio em hospitais, atraso na compra de vacinas e a promoção de tratamentos considerados ineficazes.
Sob pressão, Pazuello saiu em março último e deu lugar a outro médico, Marcelo Queiroga. O atual ministro foi flagrado por câmeras em Nova York fazendo um gesto obsceno a manifestantes contrários a Bolsonaro - que participou da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no mês passado.
Dias depois, Queiroga anunciou que havia contraído covid e que cumpriria isolamento em um hotel nova-iorquino. Ele só retornou ao país na última segunda-feira.