Outubro é um mês conhecido pela grande campanha de conscientização sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. A doença afeta, principalmente, as mulheres e é o tipo de câncer mais incidente no sexo. Em 2020, foram 66.280 novos casos no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Apesar desses diagnósticos, devido à pandemia, muitos exames necessários para rastrear a doença foram adiados, o que afetou a identificação de pessoas que poderiam ser tratadas precocemente.
Dos 66.280 novos casos de câncer de mama, 8.250 foram diagnosticados em Minas Gerais. Quanto à mortalidade, a doença foi responsável por 18.068 mortes de mulheres em 2019. A estimativa do Instituto é que entre 2020 e 2022, surjam cerca de 67 mil casos para cada ano no país.
O movimento ' Outubro Rosa ' foi criado na década de 1990 pela fundação americana Susan G. Komen for the Cure . Com objetivo de espalhar informações para a população em geral sobre o câncer de mama, todos os anos a campanha se faz presente e incentiva o diagnóstico precoce da doença, que é essencial.
A médica mastologista Cláudia Márcia e Silva, coordenadora do serviço de Mastologista do Hospital da Baleia, explica que são dois os objetivos principais na campanha. "O primeiro é a prevenção do câncer de mama e o segundo é o diagnóstico precoce. A prevenção consiste em hábitos saudáveis de vida, que seriam seguir uma boa dieta, sono regular, diminuir o estresse, não ingerir muito álcool e não ao tabagismo, por exemplo. Tudo isso ajuda na prevenção do câncer de mama e de qualquer outra doença".
"Já o diagnóstico precoce, que é de extrema importância, a gente sempre bate na mesma tecla que é o nosso objetivo diagnosticar precocemente essa doença, porque ela atinge um número muito grande de mulheres no mundo inteiro e se é diagnosticada de antemão, terá um tratamento menos agressivo, com cirurgias menos mutilantes e menores. O tratamento complementar com quimioterapia e radioterapia são cada vez menores e tudo acontece de uma forma que agrida menos a paciente", explica a mastologista.
Ela alerta que a doença não se concentra apenas em mulheres acima dos 50 anos. "O câncer de mama têm aparecido, também, entre mulheres mais jovens. Não é só em mulheres acima dos 50. Então é de grande importância uma visita ao mastologista todo ano, para fazer os exames que forem necessários. A mamografia ainda é o padrão ouro para esse diagnóstico precoce, mas o profissional também pode solicitar um ultrassom ou outros exames de imagem que também ajudam a diagnosticar precocemente", diz.
A trabalhadora rural Maria do Rosário Alves Pereira, de 46 anos, descobriu o câncer há dois anos num exame de rotina. Ela fazia mamografias anuais e tinha muito cuidado com a saúde. "Sempre no mês de outubro eu aproveitava essas campanhas e fazia a mamografia. E foi em um desses exames que o médico viu o tumor. Fiquei desesperada na hora, muito difícil receber essa notícia. Mas ele logo me disse que estava muito no início e que as chances de cura são grandes", diz.
O tratamento da paciente envolve sessões de quimioterapia e radioterapia e não precisou de cirurgia. "O tratamento não é fácil, venho de longe para tratar no Baleia. Mas fui bem acolhida, as enfermeiras cuidam da gente com muito amor. Foi um susto descobrir a doença, mas confio em Deus e hoje sei que posso ser curada. Por isso, falo sempre com as mulheres que eu conheço para que se cuidem, faça os exames, pois quando a doença é descoberta no início, tem jeito", explica.
Algumas alterações no corpo da mulher podem ser notadas com uma atitude diária, conhecida por 'autoexame'. Veja alguns sintomas que podem ser encontrados nas mamas:
Aparecimento de nódulos
Edemas ou alterações na pele da mama
Mamilos invertidos
Secreção na ponta do mamilo
"Essas são algumas alterações que a própria mulher pode encontrar no autoexame. Ele pode ser feito durante o banho, por exemplo".
"Lembrando que o autoexame não substitui a visita anual ao mastologista, mas se a mulher notar alguma alteração fora da época de ir ao médico, vá ao serviço de saúde para avaliar", reforçou a médica.
A análise do próprio corpo ajudou a pedagoga Eliete Oliveira Santos, de 49 anos, a descobrir o câncer em 2009, quando ela ainda tinha 37 anos. "Eu descobri do nada. Estava tomando banho e senti um caroço na mama. Isso foi num domingo e na segunda-feira fui ao ginecologista, no posto de saúde, para avaliar", conta.
Imediatamente ela fez a mamografia e o médico a encaminhou para um profissional da mastologia, que realizou uma biópsia e confirmou o resultado positivo. "No dia, foi um balde de água fria. Eu estava com esperança de não ser, mas quando peguei o resultado, era câncer de mama e ali começou todo o processo de medo e insegurança com o futuro", diz.
"O primeiro passo foi fazer a cirurgia para retirar o nódulo. No mês seguinte fiz o esvaziamento parcial das axilas e depois começou o processo da quimioterapia. É algo muito difícil, com sentimentos misturados. Temos medo do que enfrentar e da questão estética também, porque a quimioterapia muda o corpo".
"Mas isso não me incomodava, nunca tive medo de perder o cabelo ou engordar, minha preocupação era só conseguir fazer o tratamento, que é bem agressivo. Foram 17 sessões de quimioterapia. Perdi cabelo do corpo todo, engordei, as unhas ficam roxas, foi um longo processo. Depois fiz 34 sessões de radioterapia e no final, deu tudo certo, o câncer desapareceu", diz Eliete
Menos diagnósticos precoces
A pandemia atrasou passos importantes da luta contra o câncer, não só o de mama. No Dia Mundial do Câncer deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o impacto da COVID-19 no tratamento de câncer é "catastrófico".
"Alguns países tiveram escassez de medicamentos contra o câncer e muitos registraram uma queda significativa de novos diagnósticos de câncer, inclusive nos países mais ricos ", afirmou o diretor da OMS para a Europa, Hans Kluge.
Segundo uma estimativa feita pela Fundação do Câncer, no Brasil, a mamografia apresentou queda de 84% em comparação com o ano anterior. Como o diagnóstico antecipado é essencial no combate à doença, os atrasos fizeram com que mais pacientes chegassem para tratar a doença em estágio avançado.
"Ano passado deixou muito a desejar e, agora, a gente tem um número muito maior de pacientes com a doença avançada, porque a pandemia impediu que elas saíssem para a realização dos exames. Então, este ano que as coisas estão um pouco melhores, procure o mastologista, faça uma mamografia", diz a mastologista Cláudia Márcia.
"Como é uma doença que, na maioria das vezes, não causa dor no início, as pessoas vão deixando crescer até que elas procurem ajuda, mas é preciso fazer o controle. A partir dos 40 anos é recomendado fazer a mamografia anualmente e em casos de pacientes com parentes de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) diagnosticadas com câncer, essa idade antecede os 40. É recomendado procurar um mastologista com a idade de 10 anos antecedentes ao que este parente foi diagnosticado" explica.
Autoestima
Durante o tratamento do câncer, além da saúde física, outro ponto precisa ser bem avaliado, a saúde mental, que é interferida pela autoestima. Para aquelas que precisam fazer o esvaziamento de uma das mamas ou de ambas, mesmo que seja para o seu próprio bem, existem os problemas de aceitação do corpo.
Como parte do tratamento, está a reconstrução mamária, que inclui cirurgias de reparação dos seios. A mastologista Cláudia Márcia explica que essas operações são um direito das mulheres e que, atualmente, em muitos casos o implante é realizado na mesma cirurgia de mastectomia.
"Colocar a prótese é uma cirurgia mais rápida, em que qualquer complicação fica mais fácil de corrigir. A tendência atualmente é colocar a prótese mamária ao mesmo tempo que se faz a mastectomia. Hospitais públicos, como Hospital da Baleia, oferecem essa opção para paciente, tanto pelo SUS quanto de convênio", diz.
Embora importante, a reconstrução não é realizada de imediato em casos mais avançados da doença. "Isso só não acontece quando a doença está no estágio mais avançado e a gente precisa fazer outros tipos de tratamento antes que ela (mulher) passe pela reconstrução mamária".
"Nesses casos, é preciso passar, primeiro, pela radioterapia e depois esperar cerca de seis meses e começa o processo. Antes da prótese, ela coloca outro material que se chama expansor. Seu objetivo é esticar a pele, isso vai sendo feito semanalmente pelo cirurgião plástico, que injeta uma quantidade de soro no expansor e, aos poucos, a pele vai esticando. Quando ela chegar num tamanho adequado o expansor é retirado e dá espaço para a prótese definitiva", explica a médica.
Nos dias 4 e 5 de outubro, o Hospital da Baleia realizou a operação de 25 mulheres que receberam uma prótese mamária doada pela empresa Motiva Implantes e as cirurgias de reconstrução foram realizadas pela equipe da Cirurgia Plástica da instituição. Todas as mulheres selecionadas terminaram o tratamento há alguns anos, não dispunham de condições financeiras para custear uma cirurgia reparadora particular e estavam na fila do SUS aguardando a prótese.
Este mutirão de cirurgias também aconteceu em 2020 e uma das pacientes selecionadas foi Cássia Teotônio Alves Oliveira, de 41 anos. Sua luta contra a doença começou cedo, aos 18 anos. "A gente aprende, com o tempo, a lidar melhor com essa condição, no início ficamos em choque para falar, mas hoje parece que quanto mais eu falo, com mais vida fico. Depois de tantas adversidades, olho para trás e vejo que é um milagre. Estou nessa luta desde os meus 18 anos. Hoje estou com 41", diz.
"Tive linfoma de Hodgkins, com 18. Depois uma recidiva, em 2006, de um linfoma mais agressivo e em seguida o câncer de mama, em 2010. Mas por causa de uma série de problemas pessoais com meu antigo relacionamento, só voltei ao médico dois anos depois, em 2012. O nódulo que antes era pequeno se multiplicou. Nos exames, nem apareciam mais as glândulas mamárias, só os nódulos".
Ela relata que passou pela cirurgia de retirada das mamas, mas não deu certo. "Fiz o esvaziamento, tirei as duas mamas, só que deu tudo errado, tive necrose, inflamação crônica, enfim. Uma série de problemas que me fizeram sofrer de 2013 a 2019. Até que fui indicada para o Hospital da Baleia e recebi o tratamento adequado".
Ficar sem as mamas foi um período difícil para Cássia, que afirma ter passado por uma revolução interna, até que fosse possível aceitar sua condição. "Quando estamos na quimioterapia, não sentimos de imediato. Mas quando começam as reações do processo, você acha que está perdida, não tem o que fazer e vai morrer. Mas na realidade, é só o primeiro impacto. Aos poucos foi acontecendo a revolução dentro de mim, de aceitar a minha situação. Não rebelar, aceitar e entender".
Para Cássia, era difícil relatar as dificuldades que passou ao longo dos anos. Além disso, se olhar no espelho depois de retirar as mamas não era uma atitude cotidiana. "Hoje eu não me importo mais de falar que fraquejei. Quando fiquei sem a mama, não conseguia me olhar no espelho, fiquei muito frágil e muito mal. Mas teve um dia que eu parei na frente do espelho e falei 'Cássia, você está viva'".
"Eu não fazia os curativos, era o meu marido, mas neste momento, consegui tocar a mama, apesar de não tê-la mais. Entendi que era normal estar me sentindo mal, porque sou humana. Aprendi que temos as nossas fases e é necessário percorrer o caminho. A partir deste dia, passei tocar o local da cirurgia", afirma Cássia, emocionada.
Quando foi selecionada para colocar o implante no mutirão do ano passado, ela diz que ficou motivada a continuar. "Isso me fez acreditar que não seria mais uma mulher faltando um pedaço. Eu teria minha mama de volta. Me emociono, viu! Ainda farei uma (cirurgia) reparadora, mas estou muito feliz".
Para a pedagoga Eliete Oliveira, a cirurgia chegou alguns anos depois do término do tratamento, mas ela diz ter ficado tranquila enquanto aguardava. "Mudei hábitos alimentares desde que descobri o câncer, tive uma vida tranquila no período que estava sem as mamas. Nunca tive reincidência de câncer, mas continuo fazendo controle. Em 2019 fiz uma mamoplastia e no meio deste ano, a lipoenxertia".
Ela lembra que algumas peças de roupa ficaram sem serventia durante anos, mas agora se sente livre para usá-las. "Eu tinha muita vergonha de usar roupa gola alta, porque ressalta muito a mama, roupa de alcinha também me incomodava. Mas de todas as peças, o biquíni é o principal. Era louca para usar um, depois da cirurgia coloquei e fiquei super feliz", diz empolgada.
Segundo a mastologista Cláudia Márcia, a autoestima da paciente é tão importante no processo, quanto o tratamento farmacológico. "A gente deve se preocupar muito com a saúde da mulher, mas também com a beleza, que faz parte da saúde mental. Emocionalmente a mudança das pacientes é enorme".
"Também é importante lembrar que a sexualidade da mulher é necessária em qualquer momento da vida, indiferente da idade, que inclusive, não é fator determinante para saber se ela deve ou não fazer a reconstrução. Ao oferecer essa possibilidade à paciente, ajuda demais na autoestima, no tratamento da doença, na sua melhora e, até, na cura", finaliza.