O Brasil enfrenta um grande desafio para cuidar de pacientes com doenças pulmonares graves, sobretudo, a fibrose cística. Na avaliação do médico Rafael Stelmach, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Fundação ProAR, o assunto entrou em destaque por conta da pandemia da covid-19, mas ainda faltam debates sobre outras enfermidades e tratamentos efetivos.
Stelmach afirma que as doenças pulmonares não são tão conhecidas pela população. “Isso ficou muito mais claro com a questão da covid. Eu disse, no ano passado, que, finalmente, as pessoas estão entendendo que temos pulmões e não somente coração. As pessoas morriam de doenças respiratórias, mas o laudo era de doenças cardiopatas”, ressalta. Mas isso está mudando. “Realmente, as doenças crônicas, principalmente as mais graves, começam a se manifestar cedo, como não tão impactantes e não tão graves. Mas, com o passar do tempo e a falta de tratamento adequado, o quadro se complica”, alerta.
O professor, que tem uma carreira consolidada na saúde e também um trabalho importante ligado à gestão, defende a importância do engajamento da sociedade sobre tema. “O médico recebe os pacientes e os atende, mas a interação com o Brasil não é tão comum. Eu tive a oportunidade de implementar o primeiro protocolo de doenças pulmonares crônicas em São Paulo”, destaca. Desde então, os problemas respiratórios graves ganharam maior visibilidade e atenção.
Mortalidade
Outra preocupação de Stelmach é com o aumento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Popularmente chamada de enfisema pulmonar ou bronquite crônica, é uma enfermidade comum com inflamação e redução do fluxo aéreo pulmonar provocando sintomas persistentes. A causa principal é histórico de tabagismo, ou ser fumante atual. A DPOC é um dos principais problemas de saúde pública entre pessoas de 40 anos ou mais, estando entre as principais causas de mortalidade e morbidade no mundo.
“A fibrose cística, a asma grave e a DPOC são doenças que têm impacto importante na capacidade pulmonar, mas a maior parte dos pacientes não é muito grave. Mas existe uma parcela muito importante que é grave. É nisso que estamos focando agora em função da dificuldade de tratamentos”, ressalta o médico. Essas patologias, destaca o especialista, podem destruir os pulmões devido à demora para os diagnósticos, porque não fazem barulho.
No Brasil, segundo o estudo do Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar, um importante estudo epidemiológico, 9% das pessoas com idade média de 40 anos têm DPOC. Isso representa quase 8 milhões de brasileiros, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos 10 anos, DPOC foi a quinta maior causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) de pacientes com mais de 40 anos, com cerca de 200 mil hospitalizações e gasto anual aproximado de R$ 72 milhões, conforme o Ministério da Saúde.
Stelmach alerta para a falta de tratamentos específicos para as doenças. “Todo mundo que viveu e está vivendo a covid-19 sabe o que acontece quando se tem o ‘não tratamento’. Falta de ar, tosse, senão a morte. Não é possível viver sem os pulmões trabalhando adequadamente”, diz. Ele entende que, diante das doenças respiratórias graves, é preciso apostar cada vez mais no SUS, que atenda o grosso da população.
Transparência
A Fundação ProAR reúne profissionais da saúde, pacientes e entusiastas que têm como objetivo expandir o acesso ao diagnóstico e ao tratamento das doenças respiratórias crônicas como fibrose cística, asma grave, DPOC, câncer de pulmão e tuberculose. À frente desse projeto, Rafael Stelmach ressalta a importância da intermediação da entidade nas relações entre especialistas, indústrias, organizações e sociedade civil.
“O objetivo é colocar em prática as técnicas e as necessidades dos pacientes e trabalharmos juntos”, afirma. “Não é somente de professores e profissionais de saúde, mas também pessoas, pacientes ou não, que queiram participar com a gente nessa tarefa. Por isso, a nossa aproximação com a Frente Parlamentar (que está sendo criada pelo Congresso), assim como a associação dos pacientes”, diz o médico.
No Brasil, 58 milhões de pessoas convivem com algum tipo de doença pulmonar. No mundo, um sexto de todas as mortes decorre de enfermidades dos pulmões. Portanto, quanto mais a sociedade estiver ciente da gravidade das doenças respiratórias, mas ela cobrará dos governos acesso a tratamento adequado. E isso passa pela transparência e pela boa informação. “Não podemos esquecer que as doenças começam a se manifestar cedo”, afirma Stelmach.