Aproveitando uma solenidade em celebração ao Dia do Médico, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, defendeu, ontem, a autonomia na relação entre médico e paciente e a liberdade dos cidadãos em relação às políticas públicas de saúde. As declarações foram, sobretudo, uma defesa velada da aplicação do ineficaz kit covid — segundo ele, “a relação médico-paciente tem que ser baseada na autonomia do médico e do paciente” — e da não obrigatoriedade de se vacinar, conforme pensa o presidente Jair Bolsonaro.
A posição manifestada por Queiroga em favor da autonomia médica vem no exato momento em que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) pode aprovar um relatório crítico ao uso de medicamentos sem efeito contra o novo coronavírus — como cloroquina, ivermectina e azitromicina.
“O vínculo médico-paciente é inquebrantável, não pode ser quebrado por quem quer que seja, nem pelo Estado. É uma relação entre a consciência do médico e a confiança do paciente”, defendeu Queiroga, durante o lançamento do programa SOS de Ponta, que visa qualificar profissionais da urgência do Sistema Único de Saúde (SUS). Naquele exato momento, a CPI da Covid ouvia pessoas que perderam parentes para o novo coronavírus e faziam duras críticas à condução da pandemia pelo governo federal.
O ministro foi auxiliado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro — conhecida pelo apelido de “capitã cloroquina” por ser defensora do uso do fármaco no tratamento da covid-19. Ela afirmou que a autonomia médica foi questionada durante a pandemia.
“Não sabíamos que teríamos, ao longo de uma pandemia, o desafio de enfrentar pessoas que não conhecem a arte médica. Nada entendem de medicina e passaram a questionar a nossa autonomia, o direito da nossa relação médico-paciente, o direito das nossas escolhas, o direito de salvar vidas. Fomos questionados, estamos sendo perseguidos, desafiados a não exercer essa autonomia para qual nós fomos formados”, observou.
Sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, Queiroga foi na direção daquilo que Bolsonaro ataca — como a adoção do passaporte de vacinação. O ministro indicou que o governo federal não apoiará tal medida, implementada em alguns estados.
“O governo do presidente Bolsonaro é um governo que defende fortemente a vida, desde a sua concepção, mas é um governo que defende fortemente a liberdade. Nós queremos que as pessoas, livremente, possam ter acesso às políticas públicas de saúde, como, por exemplo, a política de vacinação”, justificou Queiroga.
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Contestações
A Associação Médica Brasileira (AMB) manifestou-se contrariamente às afirmações do ministro e da secretária. De acordo com o presidente da entidade, César Eduardo Fernandes, “a AMB defende a autonomia, desde que a escolha seja feita sobre algo que a ciência comprova funcionar. Se não há evidências científicas, não é medicina. Nós, médicos, somos capacitados para buscar as melhores alternativas e melhores benefícios”, afirmou.
Já a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) disse que não apoia o tratamento precoce. Em nota, salientou que “é uma sociedade científica, e todos seus posicionamentos se pautam na ciência, e não em meios sem fundamentação”.
O infectologista Julival Ribeiro observou que “o médico, sim, tem que ter liberdade ao tratar seu paciente, entretanto tem que seguir os preceitos científicos que regem a ciência. Não se justifica usar medicação sem comprovação de eficácia para tratar a covid-19. Portanto, tem que ser baseado em evidências científicas”.
Procurado pelo Correio, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não se manifestou até o fechamento desta edição.
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