O Dia das Crianças é para ser uma data celebrada apenas com risadas e brincadeiras aos pequenos, afinal eles têm direito a isso, mas a triste realidade a que muitos são submetidos precisa ser evidenciada, na esperança de que o sofrimento tenha fim.
Para tentar pincelar esse triste retrato, o Correio Braziliense reuniu informações do Painel de Dados Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com dados de denúncias do Disque 100, do Ligue 180 e do aplicativo Direitos Humanos Brasil. Vale lembrar que os dados podem ser conferidos por toda a população aqui.
Assim, os dados seguintes são divididas em três grupos:
1) Protocolos de Denúncias: números se referem a quantidade de vezes em que os usuários buscaram a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos — ONDH — para realizar denúncias, lembrando que um protocolo pode ter uma ou mais denúncias;
2) Denúncias: representam os relatos de violação de direitos humanos envolvendo uma vítima e um suspeito — sendo que uma denúncia pode ter uma ou mais violações; e
3) Violações: qualquer fato que atente ou viole os direitos humanos de uma vítima (entra nesta análise, como exemplo, maus tratos, exploração sexual, tráfico de pessoas).
"Segundo a Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que determinou as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -principal instrumento normativo do Brasil sobre direitos da criança e do adolescente -, criança são todas aquelas com até 12 anos de idade incompletos."
Para se ter uma ideia, em âmbito nacional, em junho de 2020 foram registrados 3.043 protocolos de denúncias; 3.815 denúncias e 19.719 violações. Em relação aos números de junho deste ano, houve aumento de protocolos de denúncias (4.029) e em denúncias (4.981), mas diminuição no número de violações (18.109).
Já no Distrito Federal, em junho de 2020, o número de denúncias ficou em 549 e foram 2.723 violações (protocolos de denúncias não foram indicados pela ONDF). Em 2021, os números de protocolos de denúncias ficaram em 661, além de 783 denúncias e 3.052 violações.
O mês de junho foi considerado ideal para a comparação devido a maior amplitude no leque de dados e pela maior proximidade ao contexto atual na conclusão do primeiro semestre de 2021. Porém, os últimos números são de setembro de 2021, quando ocorreram 3.372 protocolos de denúncia, 4.125 denúncias e 16.480 violações.
Cenário de violação
Em junho de 2020, a maioria das violações (15.997) foram identificadas na “casa onde reside a vítima e/ou o suspeito”. Em 2021, o local ainda é maioria na identificação das violações (13.587). Exemplo de outros cenários onde ainda são percebidos as violações são “via pública” (206 em junho de 2020 — 283 em junho de 2021) e “ambiente virtual” (217 em junho de 2020 — 176 em junho de 2021).
Espécie e frequência de violação
O painel da ONDH também indica a “espécie de violação” sofrida pelas crianças. Em junho de 2020, o maior número está associado à categoria “violência física - maus tratos”, com 2.118 violações. Em junho de 2021, a ONDH fez um rearranjo das categorias (a “violência física - maus tratos” não existe mais), sendo que agora, o maior número de violações está associado à “integridade física” da criança, com 8.051 Violações.
Vale lembrar que em 2021, o painel indica a “frequência das violações” (categoria não analisada nos dados de 2020). Em junho do atual ano, os dados indicam a maioria das violações como "diárias" (13.707), “ocasionais” (1.509), “semanais” (1.547), “única ocorrência” (985), “mensais” (161) e mais 200 Violações estipuladas como “dados não declarados” em relação à frequência.
O denunciante
Tanto em junho de 2020 (16.367), quanto em junho de 2021 (10.477), as violações foram em maioria indicadas por “anônimos”.
Denúncia emergencial
No mês de junho, em 2020 e em 2021, a maioria das violações foi na categoria de “denúncia não emergencial” — 12.946 em junho de 2020 e 16.794 em junho de 2021. A categoria “situação flagrante — até 24 horas da ocorrência” teve 6.119 Violações em junho de 2020 e 611 em junho de 2021. Já Violações na categoria “risco iminente de morte da vítima” teve 605 registros em junho de 2020 e 693 em junho de 2021.
Canal de atendimento
Em junho de 2021, o canal de atendimento recebeu 16.694 Violações por “telefone”, 1.167 por “WhatsApp”, 232 por “Webchat”, 11 por “Telegram”, 3 por “email” e 2 por “ofício”. Em junho de 2020 todas as Violações foram indicadas como por “telefone”.
Perfil das vítimas
Para o mês de junho, a maioria das violações acometeu crianças do sexo “feminino” (9.853 em 2020 e 9.236 em 2021). A categoria “raça/cor" que mais registrou violações em junho de 2020 foi a “parda”: 5.422. Em junho de 2021 a categoria que teve maioria foi a “branca”, com 6.865 violações.
Importante salientar que existe um número expressivo de violações "não declaradas" em relação a “raça/cor” (7.935 em junho de 2020 e 3.215 em junho de 2021).
Posição do ministério
O Correio questionou ao Ministério da Mulher se existe alguma porcentagem sobre dados subnotificados, e recebeu como resposta que “ainda não há previsão”. A reportagem também perguntou sobre a posição do ministério em relação a planos para no futuro diminuir os números relacionados a violência (contra crianças) e recebeu como resposta a íntegra abaixo:
"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), possui a missão de promover e coordenar um conjunto de ações voltadas para os direitos da criança e do adolescente no país, formulando medidas referentes à promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos e ao enfrentamento de todas as formas de violência. O Ministério realizou ações, programas, projetos e campanhas de combate e prevenção das violações contra os direitos de crianças e adolescentes, como a ampliação e o reforço dos canais de denúncia, implementando várias ações pela melhoria do serviço".
Por meio de links, o ministério detalhou essas ações. Você pode ler o conteúdo nos números 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
A violência contra a criança na pandemia
Ao Correio, a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) compartilhou um relatório elaborado em parceria com o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público de São Paulo sobre o impacto do isolamento social (ocasionado pela pandemia de covid-19 no mundo) na notificação de violência sexual contra vulneráveis — ou seja, contra menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou que não podem oferecer resistência por outra causa ou condição de vulnerabilidade, como embriaguez .
Os dados, que reúnem as denúncias de estupros de vulneráveis de janeiro de 2016 a junho de 2020 no estado de São Paulo, indicam queda a partir do primeiro semestre de 2020 (-15,7%), em detrimento do aumento que vinha sendo indicado até então. O mês de maio de 2020 teve uma queda das denúncias em -39,3% em relação ao mesmo mês de 2019.
A Unicef e as instituições alertam, através do relatório, contudo, que os números evidenciam a dificuldade de denunciar os crimes, e não sua efetiva diminuição: “Nossa hipótese – de que os estupros não diminuíram, mas as denúncias sim – leva à triste constatação de que há um grande número de meninas e meninos que foram ou estão sendo vítimas de violência sexual, ocultos pela ausência das denúncias”.
Além dos números
Desde 2012, Cida Lima acompanha a realidade das crianças e adolescentes vítimas de violência em um contexto que vai além dos números, eles apenas representam seres reais, com emoções e, especialmente, sonhos. A mulher comanda o projeto Vira Vida, do sistema Fibra, no Gama. Com psicólogas, assistentes sociais e professores, o programa atua em parceria com os Conselhos Tutelares, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para auxiliar e acolher os jovens em situação de risco.
“O Vira Vida tem quatro eixos: o primeiro é o da educação, porque depois da família, quem exclui esse indivíduo é a escola. O histórico de abandono escolar é altíssimo nesse contexto. O segundo eixo é o psico-social, que é cuidar da dor desses jovens. Nossa equipe, que é composta por psicólogos, assistentes sociais e professores, nós trabalhamos com o signo de identidade para o jovem, para o autoconhecimento, autoconfiança, ter uma visão positiva de futuro, e por fim ter sua plenitude humana. O terceiro eixo é o da qualidade de vida, que tem serviços médicos e odontológicos. Também proporcionamos alimentação com a ajuda de parceiros. Por fim, o quarto eixo é o da reinserção no mercado de trabalho, com parceiros que ajudam a contratar. Nós queremos ajudar na inserção de cidadãos devidamente qualificados”, explica Lima.
Limade que a violência contra as crianças e adolescentes no país são enfrentadas pelo governo, mas que ainda precisam de mais incentivos da sociedade: “A violência sexual é multifacetada, eu vejo que o governo tem estrategias para combater, nós temos o disque 100, os conselhos (tutelares) que atuam bravamente nesta questões, o governo tem equipado os conselhos, mas chegar nestas vitimas é um desafio bem maior. Essas crianças não se veem muitas vezes exploradas, porque há uma cultura que encobre essa exploração, é nisso que temos de atuar”.
Ela ainda deixa o recado sobre o tema: “Que a comunidade fique atenta aos sinais de que algo está errado (com as crianças). Ficar muito atento com as redes sociais, eu acho assim, que as famílias deveriam ter essa reflexão da presença (das crianças) nas redes sociais. É preciso ficar atento com quem (a criança) fala, com quem toca, é nossa responsabilidade isso”.
Leis completas, execução precária
Para o professor do Centro Universitário de Brasília (CEUB) e especialista no direito da criança e do Adolescente, Marlon Eduardo Barreto, o país tem leis completas sobre o tema, a execução que é precária.
“O Brasil tem uma realidade muito interessante. Nossa leis são muito boas, mas nosso sistema de execução e fiscalização é precário. Eu sempre digo isso em aula: a gente olha nosso sistema educacional e tem problema de funcionalidade, transporte tem problema de funcionalidade,e o sistema que cuida da criança e adolescente tem o mesmo problema”, indica.
Dentro da realidade jurídica da defesa das crianças e adolescentes do país, Barreto entende a ECA como um dos destaques: “Tem uma coisa importante que a gente precisa observar. Quando olhamos para o antes e depois do ECA, tem um salto de qualidade espetacular. Nós estamos longe do que precisávamos ter, mas bem melhor do que antes, então a gente não tem uma perspectiva só negativa, nosso movimento é um movimento de crescimento, o que nem sempre ocorre na realidade de países desenvolvidos”.
De acordo com o especialista, a execução do Disque 100 é outro destaque positivo na luta contra a violência praticada a crianças e adolescentes: “Esse dispositivo (do Disque 100) é muito positivo, porque é uma central que desperta o mecanismo de defesa ao longo do país. Essa central aciona a autoridade competente, delegado, conselhos, que agem diretamente na denúncia. Então esse mecanismo facilita e agiliza muito a ação.”
Barreto ainda concluiu sobre como potencializar as ações contra a violência relacionada a crianças e adolescentes: “Seria muito importante que as pessoas tivessem acesso a comunicação dos órgãos de apoio, acho que falta um pouco de clareza em relação a isso, muitas cidades as pessoas não têm contato com o conselho tutelar. Onde a pessoa tiver e tenha uma criança em vulnerabilidade, é importante que tenham claro a quem pedir ajuda”.
Vale lembrar que a lista de contato dos conselhos tutelares do DF você pode conferir neste link.
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