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Ativistas europeus têm muito a aprender com indígenas, diz jovem brasileiro que protestou com Greta

Marky foi um dos três brasileiros selecionados para compor a delegação do país no Youth4Climate, encontro que reuniu 400 jovens de 190 países a convite da Itália, anfitriã da pré-COP-26

BBC
André Biernath e João Fellet - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 03/10/2021 14:53

Um dos quatro indígenas a participar na Itália de um encontro preparatório para a próxima conferência da ONU sobre o clima, o comunicador brasileiro Eric Marky diz que os ativistas europeus têm muito a aprender com povos nativos brasileiros sobre o tema.

"Eles entendem o assunto de forma muito científica. Nós temos a contribuição da vivência, da ancestralidade no cuidado com a terra, que é o que a Europa precisa entender", afirma Marky, indígena do povo Terena, do Mato Grosso do Sul.

Marky foi um dos três brasileiros selecionados para compor a delegação do país no Youth4Climate, encontro que reuniu 400 jovens de 190 países a convite da Itália, anfitriã da pré-COP-26.

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, também conhecida como COP-26, será realizada entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro na cidade de Glasgow, na Escócia.

O evento preparatório Youth4Climate ocorreu entre os dias 31 de setembro e 1º de outubro e produziu um documento com medidas consideradas prioritárias pelos jovens para o combate às mudanças climáticas. A ativista sueca Greta Thunberg também esteve presente.

No caminho de volta ao Brasil, Marky conversou brevemente com a BBC News Brasil e relatou um pouco de sua experiência no evento.

Greta Thunberg
Getty Images
Greta Thunberg foi uma das participantes do Youth4Climate, uma pré-conferência da COP-26

'Não estamos sós'

Um dos primeiros pontos que chamou a atenção do comunicador foi como os mesmos problemas se repetem em vários cantos do mundo.

"Eu e os demais indígenas que estávamos lá vínhamos de vários lugares, como América do Norte, América Central, América do Sul e da Índia, e todos relatamos cenários parecidos: desmatamento e exploração ilegal de áreas de preservação que impactam os povos tradicionais", diz.

"E esse processo de exploração acaba interferindo não apenas nos povos tradicionais que vivem nessas regiões, mas em todo o mundo", completa.

Para o representante brasileiro, ouvir os relatos e os pontos de vista dá mais força à necessidade de mudança, além de trazer uma sensação de coletividade. "Sentimos que não estamos sós", aponta.

Durante a Youth4Climate, jovens organizaram protestos nas ruas de Milão
AFP
Durante a Youth4Climate, jovens organizaram protestos nas ruas de Milão

Marky também critica o que ele considera uma visão "romantizada" da preservação do meio ambiente — para ele, ideias como "a Amazônia é o pulmão do mundo" ou outros chavões utilizados comumente não transmitem a urgência do problema que vivemos.

"Temos que pensar objetivamente que explorar essas terras traz um impacto direto no aquecimento global e a única saída para nosso futuro é garantir uma produção mais sustentável", afirma.

"Se passarmos a boiada e pensarmos apenas em explorar riquezas agora, possivelmente não teremos um futuro e não vamos mais existir", alerta.

A força dos jovens e dos indígenas

Marky também destacou a importância da participação de uma nova geração nos debates sobre o meio ambiente.

"Me parece que a juventude de hoje está muito mais empenhada em cuidar do planeta, em reverter essa visão do capital como a única forma de sobrevivência e pensar numa maneira mais sustentável de existir", raciocina.

Para ele, também é simbólico o Youth4Climate ter contado com a participação de indígenas.

"Os povos indígenas nunca foram muito convidados a falar sobre mudanças climáticas", diz.

"E talvez a humanidade precise ter uma nova visão e entender que os indígenas podem ser um espelho do que fazer e de como melhorar essa relação com a natureza", sugere.

E o Brasil?

Por fim, Marky lamenta o que ele classifica como "falta de ligação com a realidade" e "ausência de soluções palpáveis" das políticas ambientais brasileiras.

"Os próprios órgãos governamentais, como a Embrapa, admitem que, se a gente continuar desrespeitando o meio ambiente, o impacto será grande e nem o agronegócio continuará a produzir", aponta.

"O que será então da agricultura familiar, que é a base da alimentação em muitas cidades e de muitos povos tradicionais?", questiona.

O comunicador vê com preocupação as discussões sobre o marco temporal das demarcações de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF) e uma série de projetos de leis que, de acordo com seu ponto de vista, representam "ameaças institucionalizadas".

"E essas movimentações são ameaçadoras não apenas para a preservação do meio ambiente, mas para a humanidade", diz.

Plenário da Youth4Climate
AFP
A Youth4Climate reuniu 400 jovens de 190 países a convite da Itália

Marky usa a própria pandemia de covid-19 como exemplo das repercussões globais de fatos que acontecem num lugar específico do planeta.

"Os primeiros casos dessa doença começaram lá do outro lado do mundo, na China. E vimos o que aconteceu depois", compara.

Para que o meio ambiente seja preservado, o representante brasileiro vê um caminho possível: aliar os saberes ancestrais com o conhecimento científico.

"É fundamental ter esse intercâmbio, algo que de certa maneira já está ocorrendo aos poucos", observa Marky.

Ele conta que alguns participantes do Youth4Climate em Milão mostraram interesse em vir ao Brasil e conhecer mais sobre a realidade local.

"Hoje temos graduados, mestres e doutores que voltaram às terras indígenas e estão assumindo esse papel importante de representação", conta.

"E acho que estamos mais do que preparados para falar sobre preservação ambiental e, quem sabe, até reflorestar as mentes das pessoas", completa.


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