Atenção: esta reportagem contém imagens que podem ser consideradas perturbadoras.
Os animais têm enfrentado, novamente, uma luta pela vida no Pantanal. Além dos incêndios no bioma, eles também precisam sobreviver a uma seca intensa na região. Os bichos passam por problemas para encontrar alimentos, sofrem com a perda de habitat e têm dificuldades para conseguir água.
Além disso, o cenário atual, considerado menos extremo que o do ano passado, envolve consequências de 2020, quando o bioma passou pelo seu pior período das últimas décadas, com recordes de incêndios.
"Levará décadas para que o equilíbrio ecológico se restabeleça no Pantanal. Com certeza os animais ainda vivem o impacto do ano passado", afirma Vinícius Silgueiro, coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV).
No início deste mês, uma reportagem da BBC News Brasil mostrou dois jacarés que trocaram seu habitat natural por uma piscina em uma pousada no Pantanal, em uma tentativa desesperada de escapar do fogo e da estiagem extrema na região.
Para ajudar os animais, voluntários têm resgatado bichos que foram alvos do fogo ou que sofrem com a falta de água ou alimentos em diversos pontos.
"A seca está deixando os animais muito desesperados", diz a veterinária Carla Sassi, coordenadora do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD), que tem atuado no Pantanal nos últimos dias. Ela conta que há preocupação também sobre incêndios em áreas que concentram muitas espécies.
Em meio ao atual cenário, esta reportagem da BBC News Brasil traz 16 fotografias que ilustram a situação vivida por animais no Pantanal neste ano. As imagens foram feitas entre o fim de agosto e meados de setembro.
As dificuldades dos animais no Pantanal
Uma análise feita pelo ICV com base em dados de uma plataforma mundial, a Global Fire Emissions Database (GFED), apontou que 655 mil hectares do Pantanal brasileiro foram atingidos pelo fogo entre 1 de janeiro e 12 de setembro de 2021. Nesse mesmo período no ano passado, 2,17 milhões de hectares já haviam sido afetados pelo fogo no bioma pantaneiro.
Os especialistas frisam que não é adequado comparar o atual período com 2020. "O ano passado foi realmente uma situação atípica, que assustou todo mundo e deixou todo mundo em choque", comenta André Luiz Siqueira, diretor da ONG ECOA - Ecologia & Ação.
A situação do ano passado, dizem especialistas, trouxe maior conscientização para a comunidade local sobre o combate aos incêndios, que são causados na imensa maioria das vezes por ação humana.
Especialistas acreditam que atualmente há maior conscientização da comunidade local. E afirmam que houve maior atenção ao tema no primeiro semestre deste ano, para evitar que o fogo avançasse pelo bioma durante a estiagem como em 2020.
Neste ano foram criadas diversas brigadas comunitárias no bioma. Além disso, especialistas apontam que desde o início do ano houve maior atenção ao tema por parte de autoridades locais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Estados brasileiros que abrigam o Pantanal.
Ainda que os números de 2021 façam parecer que a situação no bioma é positiva, o Pantanal continua passando por dificuldades intensas.
"Tivemos chuvas importantes nas últimas semanas, o que ajudou o trabalho dos brigadistas e diminuiu os focos de incêndio. Porém ainda temos focos de incêndio. Mas, claro, nada que se compare ao ano passado", afirma André Siqueira.
O calor intenso na região, os fortes ventos e a seca extrema colaboram para agravar as dificuldades no bioma atualmente. Nas últimas semanas houve registros de chuva, mas não o suficiente para contornar a crise hídrica.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o nível do rio Paraguai, principal formador do Pantanal, foi correspondente a 18 centímetros negativos na segunda-feira (20/09). A média na data é de três metros. Conforme a empresa, é o menor nível no mesmo dia nas últimas cinco décadas. No ano passado, por exemplo, que foi considerado um período de seca intensa, o nível na data era de 19 centímetros positivos.
"A temporada de chuvas de outubro de 2020 a março deste ano não foi capaz de abastecer o sistema, que já estava em déficit hídrico. Com a estiagem normal de abril a setembro, o nível dos rios baixou ainda mais neste ano", explica o biólogo Carlos Padovani, pesquisador da Embrapa Pantanal.
Entre os principais afetados pela crise hídrica no bioma estão os animais. É um cenário sem trégua para eles, que também enfrentam o fogo deste ano e convivem com as inúmeras áreas do bioma destruídas pelos incêndios de 2020.
No ano passado, os incêndios afetaram, ao menos, 65 milhões de animais vertebrados nativos e 4 bilhões de invertebrados, segundo estudo feito com base na densidade das espécies presentes nos locais afetados. O levantamento foi feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) e da Embrapa.
Importante área úmida no planeta, o Pantanal enfrenta uma seca aguda desde 2019 e com isso tem visto "a quantidade de água reduzir nas planícies e rios, resultando em um solo e vegetação extremamente secos, aumentando o risco de incêndios", aponta o estudo.
"Embora as mudanças climáticas sejam uma das principais causas dos incêndios descontrolados pelo mundo, e fogos naturais possam ocorrer, no Pantanal quase 98% das queimadas são causadas por atividades humanas, sejam acidentais ou criminais", diz o texto assinado por pesquisadores do bioma.
Ferimentos e mortes
Os animais sofrem impacto direto — como ferimento ou morte — ou indireto, pela perda do habitat diante dos problemas ambientais enfrentados no Pantanal.
Diversos voluntários têm ajudado os animais. No bioma, essas pessoas têm se deparado com cenas como bichos que foram vítimas do fogo ou que sofrem com sede ou fome, diante da devastação de alguns pontos do Pantanal nos incêndios.
As dificuldades enfrentadas pelas espécies podem ser avistadas em diferentes pontos do bioma.
A veterinária Carla Sassi, do GRAD, coordena uma equipe que já resgatou diversos animais no Pantanal. Os voluntários têm se mobilizado para levar caminhões-pipa e frutas, obtidos por meio de doações, para ajudar os bichos.
"Muitos animais precisam andar longas e longas distâncias para conseguir água e alimentos", explica Sassi. Ela ressalta que nem todos conseguem ir a lugares distantes e, por isso, o apoio dos voluntários se torna fundamental.
Entre os animais que têm lutado para sobreviver no Pantanal estão os jacarés. Uma imagem feita em meados de setembro pelo biólogo e fotógrafo Fernando Faciole mostra diversos jacarés-do-pantanal amontoados e desnutridos. "A cada dia que passa o nível da água abaixa mais e a situação é crítica", diz Faciole.
A imagem (que abre esta reportagem) foi feita em uma ponte da rodovia Transpantaneira, que liga a cidade de Poconé (MT) à região de Porto Jofre, na divisa com Mato Grosso do Sul. Segundo o fotógrafo, voluntários resgataram alguns desses animais e levaram para áreas com água para que possam sobreviver. "Porém, a quantidade desses animais é extremamente grande", afirma.
Faciole também fez outros registros que ilustram a situação dos animais no Pantanal. Uma das fotos feitas por ele mostra um quati com as patas queimadas que foi resgatado por voluntários em uma área remota e muito seca. "O animal estava com uma das patas traseiras queimadas Ele recebeu todos os cuidados e agora passa bem", diz.
Em outra fotografia, em meados de setembro, Faciole registrou um macaco-prego em meio às cinzas de uma região tomada pelo fogo. "Os animais, como esse macaco, agora enfrentam a fome cinzenta (causada por incêndios florestais, que destroem os alimentos deles). Muitos se aproximam das equipes de resgate em busca de ajuda", diz.
Ele também fotografou resgates de animais feridos, bichos mortos em regiões sem água, entre outras imagens no Pantanal (algumas disponíveis ao longo desta reportagem).
Outros registros que mostram a situação do Pantanal neste ano, e estão ao longo desta reportagem, foram feitos pelos fotógrafos Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah entre o fim de agosto e o início de setembro. Eles encontraram animais como cobras e macacos-prego carbonizados. Também viram um tuiuiú e uma vaca passando por áreas incendiadas em busca de abrigo.
Outra cena que registraram foi uma vaca presa pelo fogo, em uma das áreas mais afetadas pelas chamas na Transpantaneira, enquanto permanecia à espera de ajuda. Posteriormente, o animal foi resgatado. "Segundo os brigadistas, é comum os animais ficarem presos pelo fogo e virem a óbito quando não são resgatados a tempo", diz Bruna.
As dificuldades enfrentadas pelos animais no Pantanal devem continuar nas próximas semanas. Isso porque a estiagem deve durar ao menos até meados de outubro e não há expectativa de melhora no nível do rio Paraguai no próximo mês.
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